São Paulo, segunda-feira, 02 de novembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aldeia ecológica colombiana encontra a autossuficiência na selva inóspita

Por SIMON ROMERO

LAS GAVIOTAS, Colômbia - Nos anos 1960, um aristocrático especialista colombiano em desenvolvimento chamado Paolo Lugari parou para descansar em Las Gaviotas, no vasto deserto tropical do país. Decidido que seria o lugar perfeito para fazer um experimento com o futuro da civilização, fundou ali um povoado diferente.
"Os únicos desertos que existem neste mundo são os desertos da imaginação", disse Lugari, 64, durante visita em outubro.
Hoje em dia, os raros visitantes a Las Gaviotas têm a chance de conhecer um experimento que vem sendo feito há quatro décadas para alterar a dependência da civilização em relação aos combustíveis fósseis e à agricultura industrial.
Os 200 moradores do povoado não têm armas, força policial, carros, prefeito, igreja, padre, celulares, TV ou internet. Ninguém que vive em Las Gaviotas exerce um cargo que tenha nome.
Mas o que Las Gaviotas tem é toda uma gama de inovações que visam viabilizar a vida humana em um dos ecossistemas mais desafiadores possíveis. As inovações abrangem desde invenções pequenas, como uma chaleira solar para esterilizar água, até outras grandes, como um projeto de reflorestamento de 8.012 hectares, cujos pinheiros tropicais produzem resina para biocombustível, e uma cobertura de árvores sob a qual florescem espécies nativas.
O lugar revelou-se mais inóspito do que Lugari imaginara. A prolongada e mutante guerra colombiana migrou para as savanas que cercam Las Gaviotas, leste da Colômbia. Narcotraficantes e exércitos particulares chegaram anos atrás, abrindo trilhas para transportar cocaína à Venezuela e traficar armas de volta à Colômbia.
Mas, como um oásis, Las Gaviotas atraiu camponeses dos "llanos" -as planícies-, que se transferiram para lá para ganhar cerca de US$ 500 mensais, o dobro do que receberiam em outras partes do país. "Procuramos viver uma vida tranquila, dependendo apenas de nosso trabalho e nossa criatividade", disse a professora Teresa Valencia, 48, que mora ali há três décadas.
Os visitantes ficam conhecendo invenções como uma bomba de água movida por uma gangorra de crianças, uma cozinha solar e a floresta de pinheiros tropicais.
Apesar disso, Las Gaviotas não está imune à economia global. Recentemente, a China inundou a Colômbia de resina barata importada, forçando Las Gaviotas a cortar em 40% os custos de produção do produto que vende.
E, ao mesmo tempo em que Las Gaviotas provoca fascínio fora da Colômbia, dentro do país nem todos veem com o mesmo otimismo o vilarejo criado por Lugari.
O engenheiro Jorge Zapp, de Bogotá, que foi colaborador do projeto em sua fase inicial, disse que "como todos os regimes imperiais, desde Júlio César até Castro, Gaviotas gira em torno de uma só pessoa. Depois de alguns anos, a sombra de Paolo cresceu demais".
A "gaviotera" -como são conhecidos os nativos- Andrea Beltrán, 25, explicou sua própria teoria. "Nós sobrevivemos", disse. "Neste momento e neste lugar da Colômbia, talvez isso já seja o bastante."


Texto Anterior: Vento e palha abastecem ilha nórdica
Próximo Texto: CIÊNCIA & TECNOLOGIA
Cientistas tentam entender por que a terra desliza

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.