São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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Agressão temperada pela experiência

Por DAVID D. KIRKPATRICK

Amigos do senador John McCain vêem uma tensão essencial percorrendo a sua vida. Ele costuma ser deliberativo, autocrítico e flexível, segundo assessores e colegas do Senado, e já corrigiu seu rumo muitas vezes em 36 anos de vida pública.
"Ele é uma cabeça muito mais flexível do que habitualmente se mostra", disse o acadêmico democrata Philip Bobbitt, especialista em reações internacionais, consultado por McCain neste ano.
Mas, quando enfrenta um adversário, um John McCain absolutamente diferente pode surgir, disposto a uma luta de tudo ou nada. "Vou ganhar esse troço e vocês vão ter de me atropelar para me derrotar", disse o ex-senador democrata Bob Kerrey, explicando a atitude do seu amigo.
Os impulsos conflitantes entre deliberação e agressão são as correntes alternadas dessa singular carreira política e poderiam moldar um eventual governo McCain.
No Senado, ele é quase tão conhecido por seus bilhetes de desculpas quanto por suas explosões. ("Acho que aprendi algumas coisas na prisão, mas possivelmente uma das mais importantes foi o valor da amizade", escreveu McCain num bilhete obtido pelo "Times". "Ponha isso na conta do 'temperamento McCain'.")
Ele demite assessores que o frustram ou constrangem, mas continua pedindo seus conselhos. Ele se irrita em público quando insinuam que sua ambição pode deixá-lo tentado a comprometer princípios, mas também entra de cabeça em disputas por poder político.
Se for eleito amanhã, os que as pesquisas dizem ser improvável, McCain chegará calejado à Casa Branca: 72 anos, mais velho presidente americano a tomar posse para o primeiro mandato; primeiro veterano do Vietnã; sobrevivente de cinco anos e meio numa prisão vietnamita. Guiado tanto por sua noção de honra quanto pela ideologia, McCain seria um governante imprevisível _ou, para os críticos, "errático". Por convenção, é um conservador que prega limites ao governo, mas rapidamente flexibiliza essas convicções se a causa vale a pena. Já arrumou briga com ambos os partidos, mas também sabe como impor acordos bipartidários.
McCain tem um estilo decisório "instintivo, muitas vezes impulsivo", conforme descreveu em "Worth the Fighting For" ("Vale a luta"), autobiografia escrita em 2002 com seu assessor Mark Salter. "Não me torturo por causa das decisões. Eu as tomo o mais rápido que puder, mais rápido que qualquer um, se eu puder."
Ele sentiu o gosto da política pela primeira vez em 1977, como oficial de ligação da Marinha no Senado.
Aos 40 anos, inseguro sobre o futuro, fez da missão um treinamento para a sua própria carreira política.
Escoltando parlamentares em viagens ao exterior e divertindo-os com suas aventuras navais, McCain ouvia os senadores fofocando em coquetéis noturnos, ou os levava para reuniões secretas de comissões. E aproveitou a boa vontade deles: os senadores republicanos William Cohen, padrinho de casamento de McCain em 1980, e John Tower prestaram uma ajuda inestimável na sua eleição como deputado pelo Arizona, em 1982.
Como senador ou candidato a presidente, McCain prefere tomar decisões consultando especialistas com opiniões conflitantes e preferencialmente assistindo ao confronto. "Ele incentiva a discordância diante dele, para ver evidências que discordem do rumo que ele poderia tomar", disse o economista Kevin Hassett, próximo ao candidato.
As derrotas podem lhe doer. Quando em 1998 os conservadores obstruíram um importante projeto sobre o tabagismo que ele havia negociado, McCain desancou o seu próprio partido por destinar as crianças ao câncer de pulmão. Depois de perder brigas por causa das regras de financiamento de campanha, ele acabava chamando os adversários de corruptos. Ele aprecia o conflito, segundo amigos, e seria um presidente do confronto. "Esse homem atravessa a rua para entrar numa boa briga", disse o senador republicano Lindsey Graham, seu amigo íntimo.
Em momentos mais reflexivos, McCain diz buscar um distanciamento estóico em relação à perspectiva de vitória ou derrota, um hábito que afirma ter adquirido como piloto da Marinha e prisioneiro de guerra. "Tendo a ser fatalista sobre essas coisas", disse ele em uma entrevista logo após assegurar a indicação republicana, minimizando seu sucesso.
Avaliando sua pré-candidatura de 2000 à Casa Branca, ele se preocupou em equilibrar sua ambição com o senso de virtude. Então escreveu "Worth the Fighting For".
Após a derrota, ele se declarou grato, aos 65 anos de idade, pelo que ainda lhe restaria por viver. "Não cheguei a presidente dos Estados Unidos. E duvido que tenha razão ou oportunidade para tentar de novo", escreveu, para, no entanto, acrescentar: "Eu ainda posso me tornar o homem que eu sempre quis ser".

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