São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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Uma vida de transformação e disciplina para Obama

Por JODI KANTOR

Desde que dirigia a revista Harvard Law Review, Barack Obama sempre comandou reuniões segundo um conjunto peculiar de regras. Todos contribuem; quem ficar quieto, só espiando, será interrogado. (Ele quer "sugar todas as idéias da sala", segundo a assessora Valerie Jarrett.) Cite uma teoria, e Obama pergunta como isso se dá prática. Como um maestro, ele joga um participante contra o outro, e então destaca áreas de concordância. Reitera sempre as contribuições alheias, mas com suas próprias palavras, mais eloqüentes. E aí, quando a reunião acaba, sua opinião pode continuar sendo um mistério.
Essas reuniões, assim como a própria carreira de Obama, podem dar pistas sobre que tipo de presidente ele será se for eleito. Elas sugerem alguém que delibera com frieza, se comunica com fluência e tem fome de conhecimento acadêmico, mas pouco interesse pela abstração. Obama pode ter dificuldades em tomar decisões rápidas ou abandonar um plano minucioso. Como presidente, deve valorizar o consenso, exceto quando decidir ignorá-lo. E sua eterna necessidade de controlar tudo provavelmente se traduzirá numa Casa Branca disciplinada.
Ganhar a eleição de amanhã, como prevêem as pesquisas, seria mais uma transformação numa vida cheia de mudanças dramáticas e auto-induzidas: do menino criado na Indonésia e no Havaí até o ativista afro-descendente de Chicago; de ateu a cristão; do acadêmico obstinado ao mais suave dos políticos; e talvez agora, oito anos após ser esmagado numa disputa para o Congresso, ser o primeiro negro a ocupar a Casa Branca.
Transformar déficits em capital poderia ser o lema da sua ascensão. Ele fez de uma infância sem pai uma emocionante história de amadurecimento. Usou o nada glamoroso cargo de senador estadual como alicerce para a sua carreira política.
Mobilizou jovens para um exército entusiasmado. E, embora seu nome exótico _Barack Hussein Obama_ tenha alimentado falsos rumores e insinuações sobre suas origens e crenças, ele fez disso um símbolo da sua singularidade e das possibilidades que os EUA oferecem.
Mas, se vencer a eleição, Obama terá outros déficits pela frente. Com apenas 47 anos de idade e quatro de carreira política nacional, nunca administrou nada maior do que a sua campanha. Suas promessas são tão vastas quanto seu currículo é curto, e algumas das suas promessas são incoerentes com outras: governo progressista e fusão centrista bipartidária; transformação total e pragmatismo.
Obama prioriza a ordem. Mesmo na faculdade Occidental, em Los Angeles, durante uma fase que ele não considera das melhores, ex-colegas se referem a ele como um modelo de moderação. "Ele não era nem de longe um arroz de festa", disse Vinai Thummalapally, amigo íntimo daquela época.
Quando se trata de tomar decisões, o impulso controlador de Obama se traduz numa espécie de cautela deliberativa. Ele evita julgamentos apressados ou reações às flutuações do dia-a-dia, segundo assessores. Em vez disso, segue um roteiro conhecido: realiza uma ampla pesquisa; solicita consultoria; projeta todos os cenários prováveis; concebe um plano; antevê as objeções; ajusta o plano; e, uma vez que o plano está em vigor, se atém a ele.
Obama nem sempre responde prontamente a mudanças inesperadas. Quando estourou o conflito entre Rússia e Geórgia, ele levou vários dias para firmar uma posição. Depois da surpreendente escolha de Sarah Palin como candidata a vice de John McCain, a campanha de Obama pareceu ter dificuldades para reagir. As únicas vezes em que Obama abandona sua "frieza normal", segundo seu amigo Marty Nesbitt, "é quando algo o surpreende".
Seus críticos citam suas abstenções em votações no Legislativo de Illinois, o que lhe poupava de temas difíceis, como a redução da maioridade penal. Em pelo menos 36 vezes (em milhares de votações), Obama foi o único senador a se abster, ou um dos poucos. Mas defensores dizem que a reticência de Obama é tão intelectual quanto tática. Ele suspeita de generalizações.
Na maioria das vezes Obama fala com leveza sobre o caráter histórico da sua candidatura. Mas, em alguns momentos da sua campanha, ele deixou transparecer ao eleitorado como o passado dividido dos EUA pesa sobre seus franzinos ombros. Esse peso parece parte da resposta a um mistério essencial em Obama: de onde vem toda essa ambição ardente, o que o possui para impulsioná-lo tão forte e tão rápido?
Há quase duas décadas, na Universidade Harvard, Obama sentiu pela primeira vez o gosto de quebrar uma barreira ao vencer uma eleição presidencial. Gordon Whitman, um dos colegas que decidiram que ele deveria ser o presidente da Harvard Law Review, relembra: "Todos entendemos que havia uma chance de fazer história".

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