São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Na Itália, recriar a natureza para restaurá-la

Por Elisabeth Rosenthal

TERRACINA, Itália - Antes de Michele Assunto recolher sua rede de pesca nas margens de um canal cercado de caniços, ele usa uma vara para afastar o lixo. "Eles realmente precisam limpar isto", resmunga.
Em muitas partes desta próspera região costeira entre Roma e Nápoles, os canais que despejam no Mediterrâneo efluentes de fazendas e fábricas convivem com pescadores e banhistas. A área precisa de um trabalho considerável para voltar a uma situação mais limpa. Para lugares tão distantes quanto este, porém, um novo tipo de arquiteto-paisagista está recomendando uma solução radical: não exatamente restaurar o meio ambiente, mas reprojetá-lo.
"Está tão desequilibrado ecologicamente que, se continuar assim, vai matar a si próprio", afirma Alan Berger, paisagista e professor no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que a reportagem viu vasculhar animadamente os canais malcheirosos.
"Você não pode modificar a economia e remover as pessoas", ele acrescentou. "Ecologicamente falando, não se pode restaurar; é preciso ir em frente, colocar este lugar em um novo rumo."
Em vez de simplesmente recomendar o fechamento das fazendas e fábricas poluidoras, o professor Berger é especialista em criar novos ecossistemas em ambientes gravemente danificados: redirigir o fluxo de águas, mover morros, construir ilhas e plantar novas espécies para absorver a poluição, criar paisagens naturais, embora "artificiais", que podem se auto-sustentar.
Berger recentemente assinou um acordo com a Província Latina para criar um plano diretor ecológico para a parte mais poluente dessa região. Ele quer que o governo compre um terreno de quase 200 hectares em um vale estratégico pelo qual passam hoje as águas mais poluídas. Lá, ele pretende criar um pântano que serviria como estação de limpeza natural antes que as águas corram para o mar e as áreas residenciais.
É claro que também há necessidade de melhor regulamentação, para conter o despejo de poluentes no canal.
Mas uma mistura cuidadosa do tipo certo de plantas, terra, pedras e canais de drenagem filtraria a água enquanto ela passa lentamente, ele disse. A terra também funcionaria como um novo parque.
O professor Berger reconheceu que a abordagem era diferente do tipo normalmente defendido por grupos ambientalistas estabelecidos como o World Wildlife Fund ou o Nature Conservancy, que geralmente tentam restaurar a terra ou preservá-la em seu estado natural, muitas vezes eliminando ou limpando os fatores poluentes próximos. Mas essa abordagem pode não funcionar em lugares que já estão gravemente danificados, diz Berger.
"A solução tem de ser tão artificial quanto o lugar", ele afirma. "Estamos tentando inventar um ecossistema no meio de uma paisagem totalmente modificada e poluída."
À primeira vista, Latina não parece uma zona de desastre ambiental. Cercada de montanhas a leste e pelo Mediterrâneo a oeste, é um lugar de vistas campestres espetaculares e até algumas praias turísticas famosas como Sabaudia.
Na verdade, o meio ambiente aqui é bem-sucedido, pelo menos em termos econômicos. Dois mil anos de "administração da água" transformaram os charcos de Pontine, antes infestados de malária, em uma região, a Província Latina, que é uma das mais prósperas da Itália. Ela abriga parques industriais, centros turísticos com casas de veraneio e fazendas _algumas das quais fazem da Itália o maior produtor de kiwis do mundo.
A prosperidade de Latina é construída sobre terras encharcadas, que se tornaram habitáveis graças a seis bombas enormes e ruidosas como aviões, montadas em 1934 sob Mussolini. Todos os dias, elas puxam milhões de litros de água do solo empapado e os conduzem para um elaborado sistema de canais cimentados que afinal os jogam no mar.
Mas próspero não significa necessariamente sustentável.
O professor Berger veio para a Academia Americana em Roma em 2007, em uma bolsa de um ano para estudar a história dos pântanos de Pontine. Só depois que começou a coletar dados sobre a terra e a água percebeu o quanto a área estava danificada.
Berger conta que descobriu que metade da água do sistema estava severamente contaminada com níveis de fósforo e nitrogênio que pioram conforme percorrem os canais em direção ao litoral. Diante de suas conclusões, as autoridades ficaram surpresas com o nível de poluição.
"Ele estudou a região de um ponto de vista diferente do nosso", disse Carlo Perotto, o diretor de planejamento da Província. "Nós tínhamos pessoas diferentes cuidando da água, da indústria e da agricultura. Ele inaugurou um novo modo de pensar."

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