São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2011

Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Analisando a mente de um tirano

Políticos percorrem uma galeria de líderes iludidos

Moises Saman para O New York Times
Os governos elaboram perfis psicológicos de líderes potencialmente hostis. Acima, uma comemoração encenada para o coronel Gaddafi

Por BENEDICT CAREY
Ele é um narcisista alucinado que vai lutar até o último suspiro. Ou um exibicionista impulsivo que pegará o primeiro voo para fora da cidade quando for encurralado. Ou talvez ele seja um psicopata, um estrategista frio e calculista -louco como uma raposa do deserto.
O fim de jogo na Líbia, provavelmente, dependerá muito dos instintos do coronel Muammar Gaddafi, e qualquer percepção desses instintos seria enormemente valiosa para os políticos. Jornalistas formaram suas impressões a partir de anedotas ou de seus atos passados; outros se basearam em suas últimas tiradas.
Mas pelo menos um grupo tentou construir o perfil com base em métodos científicos, e suas conclusões, provavelmente, afetarão a política americana. Durante décadas, a Agência Central de Inteligência (CIA) e o Departamento da Defesa dos EUA compilaram avaliações psicológicas de líderes hostis como o coronel Gaddafi, Kim Jong-il da Coreia do Norte e o presidente Hugo Chávez da Venezuela, assim como de aliados, potenciais sucessores e autoridades destacadas (muitos outros governos fazem o mesmo).
Em um perfil do coronel Gaddafi para a revista "Foreign Policy", o doutor Jerrold Post, um psiquiatra que dirige o programa de psicologia política na Universidade George Washington em Washington e fundou o ramo da CIA que faz análise comportamental, conclui que o ditador, embora geralmente racional, é inclinado a um pensamento ilusório quando está sob pressão -"e, neste momento, ele está sob o maior estresse que já sofreu desde que assumiu a liderança da Líbia".
No fundo, o coronel Gaddafi se vê como um completo forasteiro, o guerreiro muçulmano combatendo uma luta impossível, afirma Post, e "está realmente preparado para seguir até o fim".
Diplomatas, estrategistas militares e presidentes se baseiam em perfis para tomar suas decisões -em alguns casos com vantagem, em outros não.
O perfil político "talvez seja mais importante nos casos em que você tem um líder que domina a sociedade, que pode agir sem restrições", diz o doutor Post. "E esse é o caso de Gaddafi e da Líbia."
Os dossiês oficiais são secretos. Mas os métodos são conhecidos. Psicólogos civis desenvolveram muitas técnicas, baseadas em informação pública sobre um líder: discursos, textos, fatos biográficos, comportamento observável. As previsões sugerem que o "perfil à distância", como é chamado, ainda é mais arte do que ciência. Assim, em uma crise como a da Líbia, é vital saber o valor potencial e as limitações reais das avaliações.
"Os profissionais em traçar perfis são melhores para prever o comportamento do que um chimpanzé vendado, mas a diferença não é tão grande quanto se poderia pensar", disse Philip Tetlock, psicólogo na Escola Wharton da Universidade da Pensilvânia. O método com histórico longo é baseado em estudos de caso clínico, as psicobiografias que os terapeutas criam quando fazem um diagnóstico, citando influências da infância.
O primeiro que se conhece, encomendado no início dos anos 1940 pelo Departamento de Serviços Estratégicos, antecessor da CIA, foi sobre Adolf Hitler; nele, o especialista em personalidade Henry A. Murray, de Harvard, especulou sobre a "infinita autodegradação" e o "pânico homossexual" e tendências edipianas de Hitler.
Os analistas ainda usam essa abordagem, mas a baseiam mais firmemente em fatos biográficos do que em especulações freudianas ou opiniões pessoais.
Caracterizações desse tipo foram valiosas no passado. Preparando-se para as negociações de paz de Camp David entre Israel e Egito, a CIA forneceu ao presidente Jimmy Carter perfis sobre os líderes dos dois países, Menachem Begin e Anuar el Sadat.
Mas as avaliações também podem ser enganosas. Perfis do presidente Saddam Hussein do Iraque que circularam no início dos anos 1990 sugeriam que ele era um pragmático que cederia sob pressão.
Os especialistas em inteligência tornaram-se cautelosos, complementando as histórias de caso com técnicas de "análise de conteúdo", que procuram padrões nos comentários ou textos de um líder.
Um programa de software desenvolvido por uma pesquisadora da Universidade de Syracuse em Nova York, Margaret Hermann, avalia a relativa frequência de certas categorias de palavras (como "eu", "mim", "meu") em entrevistas e discursos e liga as notas a traços de liderança.
Uma técnica usada por David G. Winter, professor de psicologia na Universidade de Michigan, se baseia em fontes semelhantes para julgar os motivos dos líderes, sua necessidade de poder, realização e afiliação. A frase "certamente podemos eliminá-los" reflete uma orientação de alto poder; "depois do jantar nos sentamos para conversar e rir" soa como afiliação.
"Combine alto poder e alta afiliação, e a pessoa, provavelmente, será sociável, enquanto poder e baixa afiliação tendem a prever agressão", disse o doutor Winter. "Essa é a ideia, mas é claro que não se pode prever nada com certeza."
Pelo menos um grupo de perfiladores políticos incorporou essa falha -a incerteza- em suas previsões. Os pesquisadores compararam comunicações que levaram à eclosão da Primeira Guerra Mundial e da Guerra da Coreia com as que levaram a uma solução pacífica, como a crise dos mísseis cubanos em 1962.
E quanto mais alto o nível de incerteza admitido, menor a probabilidade de o líder empreender a guerra, disse Peter Suedfeld, um psicólogo da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá).
Ele ainda não analisou os comentários do coronel Gaddafi, mas não é preciso ser especialista para observar que o líder líbio parece muito seguro, embora nem sempre coerente.


Próximo Texto: Uma ameaça desprezada pelos engenheiros
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.