São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2011

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ENSAIO - JOHN TIERNEY

Livre arbítrio, a única opção

Se ações são pré-determinadas, como fazer juízos morais?

Suponha que Mark e Bill vivem num universo determinista. Tudo o que acontece nesta manhã -quando Mark veste uma camisa azul, e Bill tenta cobrir a calva com o cabelo que resta- é totalmente resultante de tudo o que aconteceu antes.
Se você recriasse esse universo a partir do Big Bang e deixasse todos os fatos iguais, a camisa azul, então, seria tão inevitável quanto o disfarce na careca.
Agora, algumas questões de filósofos experimentais:
1) Neste universo determinista, é possível que uma pessoa tenha total responsabilidade moral por suas ações?
2) Mark dá um jeito de burlar o fisco. Ele tem total responsabilidade moral por suas ações?
3) Bill se apaixona por sua secretária e decide que a única maneira de ficar com ela é matando sua esposa e os três filhos. Ele vai viajar e deixa os assassinatos encomendados. Bill tem total responsabilidade moral por suas ações?
Para um filósofo clássico, essas são apenas três versões para a mesma questão. Mas, para uma nova geração de filósofos que testam as reações das pessoas a conceitos como o determinismo, há diferenças cruciais, conforme explica Shaun Nichols na atual edição da revista "Science".
A maioria dos entrevistados absolve a pessoa não especificada na pergunta um, e a maioria, tampouco, culpa Mark. Já Bill é totalmente responsável por seus crimes hediondos, na opinião de mais de 70% das pessoas ouvidas por Nichols, um filósofo experimental da Universidade do Arizona.
É ilógico? De certa forma, sim. A linha de raciocínio pode parecer imperfeita para alguns filósofos, e a crença no livre arbítrio pode soar ingênua para psicólogos e neurocientistas que argumentam que somos movidos por forças além do nosso controle consciente.
Por outro lado, faz todo sentido responsabilizar Bill completamente pelos homicídios. Seus juízes pragmaticamente intuem que, independentemente de o livre arbítrio existir, a nossa sociedade depende de todos acreditarem que ele existe mesmo. Os benefícios disso já foram demonstrados em outras pesquisas que mostram que, quando as pessoas duvidam do livre arbítrio, têm desempenho pior no trabalho e são menos honestas.
"Duvidar do livre arbítrio poderá comprometer o sentido de si próprio como agente", concluíram Kathleen Vohs, da Universidade de Minnesota, e Jonathan Schooler, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, em um experimento sobre o livre arbítrio. "Ou, talvez, negar o livre arbítrio simplesmente forneça a desculpa final para a pessoa se comportar como quiser."
Essa crença parece persistir independentemente do lugar onde a pessoa é criada, conforme os filósofos experimentais têm descoberto ao entrevistarem adultos em diferentes culturas, como Hong Kong, Índia, Colômbia e EUA. A despeito das suas diferenças culturais, as pessoas tendem a rejeitar a noção de que vivem em um mundo determinista, sem livre arbítrio.
"O livre arbítrio guia as escolhas das pessoas no sentido de serem mais morais e terem melhor desempenho", disse Vohs. "É uma adaptação das sociedades e dos indivíduos crerem no livre arbítrio, pois isso ajuda as pessoas na adoção de códigos culturais de conduta que prenunciam vidas saudáveis, ricas e felizes."
Em um nível abstrato, as pessoas parecem ser o que os filósofos chamam de "incompatibilistas" -ou seja, creem que o livre arbítrio é incompatível com o determinismo. Se tudo o que acontece é determinado pelo que ocorreu antes, logicamente você não pode ser moralmente responsável pela sua próxima ação.
Mas há também uma escola de filósofos -na verdade, talvez a maioria- que considera o livre arbítrio compatível com a sua definição de determinismo. Esses "compatibilistas" acreditam que fazemos, sim, nossas escolhas, mesmo que elas sejam determinadas por fatos e influências anteriores.
"Isso ajudaria a explicar a persistência da disputa filosófica em torno do livre arbítrio e da responsabilidade moral", escreve Nichols na "Science". "Parte da razão para o problema do livre arbítrio ser tão duradouro é que cada posição filosófica tem um conjunto de mecanismos psicológicos torcendo a seu favor."


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