São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2011

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ARTE & ESTILO

ENSAIO - LARRY ROHTER

Uma voz silenciosa no diálogo entre Ocidente e Oriente

Uma profusão de filmes não americanos trata dos laços complexos entre Ocidente e islã.
"Sempre há uma espécie de onda de temas" no discurso social e político, disse Susanne Bier, diretora e corroteirista de "Em Um Mundo Melhor", que recebeu o Oscar deste ano de melhor filme em língua estrangeira (o filme estreia na Espanha em abril e no Reino Unido e na Austrália ainda neste ano).
No filme, um médico dinamarquês que trabalha em campos de refugiados em um país que lembra o Sudão e na zona rural da Dinamarca é forçado a encarar uma pergunta moral considerada fundamental: "Quando a violência se justifica?"
Em contraste com isso, os filmes americanos ou evitam totalmente tratar da relação entre Oriente e Ocidente, ou então, quando incluem personagens árabes ou muçulmanos, estes são apresentados de maneira simplista ou estereotipada.
Por que os EUA não fazem parte do emergente diálogo cinematográfico global?
O cinema europeu vem tratando da presença islâmica pelo menos desde os anos 1970, quando Rainer Werner Fassbinder criou "O Medo Devora a Alma". A França já produziu uma enxurrada de filmes desse tipo, desde o recente drama carcerário "O Profeta" até "Angel-A", fantasia de Luc Besson sobre um ladrão de origem árabe.
O mesmo se aplica a Israel. Dois filmes premiados dirigidos por Eran Riklis, "Lemon Tree" e "A Noiva Síria", retratam personagens árabes sob uma ótica nuançada e até mesmo positiva, como também faz "A Banda", comédia de 2007 de Eran Kolirin.
Hollywood já produziu filmes ambientados no mundo islâmico: "Guerra ao Terror" chegou a receber o Oscar de melhor filme, e as histórias de "Syriana", "Três Reis" e "Guerra Sem Cortes" acontecem no Oriente Médio.
Mas, segundo Matthew Bernstein, diretor do departamento de estudos do cinema e da mídia da Universidade Emory, em Atlanta, "enxergamos tudo através de uma ótica americana, sem contexto ou uma representação da comunidade" do lado islâmico.
Existem exceções. "América", de 2009, é um retrato de uma família palestina residente em Chicago que enfrenta o preconceito após o 11 de setembro. "O Visitante", de Tom McCarthy, trata de um professor universitário que se torna amigo de um imigrante sírio e a namorada senegalesa dele.
McCarthy identifica em uma viagem profissional a Beirute o início de seu interesse pelo Oriente Médio. "Os libaneses eram tão calorosos, falantes e participativos que o ambiente no Líbano quase me recordou de meu legado irlandês", contou.
Mas seu filme independente forma um contraste marcante com o mercado de massas do sistema dos estúdios de Hollywood, cuja dinâmica é muito diferente.
Uma explicação da escassez de filmes americanos que tratem do mundo muçulmano que é dada ocasionalmente é que a América do Norte está distante do ponto de convergência ou colisão das civilizações ocidental e islâmica. Dos quatro filmes que tratam dessas questões que foram indicados ao Oscar de filme em língua estrangeira neste ano, "Incêndios" (lançado em todo o mundo, com estreia na Alemanha na primavera) vem do Canadá e "Biutiful" (também com lançamento amplo, estreando em Cingapura em maio), do México.
"Uma das belezas do cinema é o fato de poder construir pontes entre culturas diferentes, e meu filme é uma dessas pontes, minúscula", disse Dennis Villeneuve, diretor de "Incêndios".
É claro que outros grupos étnicos e raciais minoritários, incluindo hispânicos e asiáticos orientais, também se queixam há muito tempo dos estereótipos negativos deles veiculados por Hollywood. Mas Jack G. Shaheen, autor de "Guilty: Hollywood's Verdict on Arabs After 9/11", disse que existe uma diferença.
"Outros grupos são vítimas de estereótipos, mas se beneficiam de imagens contrastantes". No caso dos árabes e muçulmanos, o que se vê é "um bombardeio contínuo de imagens negativas".
É possível que imagens mais benevolentes estejam a caminho. Jonathan Demme comprou os direitos para o cinema do livro "Zeitoun", de Dave Eggers, sobre um imigrante sírio que estava ajudando vizinhos após o furacão Katrina quando foi detido.
O cineasta franco-argelino Rachid Bouchareb recebeu indicações ao Oscar por filmes que tratam da difícil relação entre a França e sua antiga colônia Argélia: "Dias de Glória" e "Foras-da-Lei". Seus próximos dois filmes serão rodados nos Estados Unidos, com atores americanos e americanos de origem árabe.
Bouchareb disse recentemente: "Para mim, tudo isso é simplesmente um pretexto para falar do relacionamento entre esses dois povos, essas duas culturas. Mas é possível que os cineastas americanos ainda relutem em falar sobre essa relação."


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