São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009

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Decifração do genoma pode não levar à cura de doenças


Para alguns, detectar riscos genéticos pode ter pouca relevância clínica


Por NICHOLAS WADE

A era da medicina genômica pessoal pode ter que esperar. A análise genética de doenças comuns vem se revelando muito mais complexa do que o previsto. Desde que o genoma humano foi decodificado, em 2003, pesquisadores vêm desenvolvendo um método para comparar genomas de pacientes e de pessoas saudáveis, na esperança de identificar mudanças no DNA responsáveis por doenças comuns.
Esse método, conhecido como estudo de associação de genoma completo, mostrou ser tecnicamente bem-sucedido. Mas tem sido decepcionante na medida em que o tipo de variação genética que detecta revelou pouco sobre os vínculos genéticos com a maioria das doenças.
O impasse inesperado também afeta empresas que oferecem informações genômicas pessoais, cujo objetivo seria revelar aos clientes seus riscos genéticos de doenças, com base nas descobertas de pesquisadores.
"Com poucas exceções, o que as empresas genômicas estão fazendo hoje é um trabalho genômico recreativo", disse David B. Goldstein, geneticista da Universidade Duke e um dos colaboradores de uma edição recente do "New England Journal of Medicine" que parece ser a primeira tentativa pública de cientistas de compreender esse resultado desnorteante. "Os dados têm pouca ou nenhuma relevância clínica." Ele acrescentou que, no momento, essas empresas provavelmente não estão prestando qualquer serviço público útil.
Uma questão que provoca discórdia entre pesquisadores é se, apesar da perspectiva de retornos abaixo dos previstos, deve-se seguir adiante com os estudos de genoma completo, que custam muitos milhões de dólares cada, ou adotar uma abordagem nova, como a decodificação do genoma inteiro de pacientes individuais.
Diferentemente de doenças raras provocadas por mudanças que afetam apenas um gene, as doenças comuns, como câncer e diabetes, são provocadas por um conjunto de diversas variações genéticas em cada pessoa. Como essas doenças comuns geralmente aparecem numa fase posterior da vida, quando as pessoas já tiveram filhos, a teoria até agora era que a seleção natural não tem o poder de eliminá-las.
O problema tratado no "New England Journal of Medicine" é que se previa que essas doenças fossem provocadas por variações genéticas que são comuns na população. Mais de cem estudos de associação de genoma completo já foram feitos para várias enfermidades, e foram encontradas algumas variantes comuns. Em quase todos os casos, porém, essas variantes encerram apenas um risco pequeno da doença. A maior parte da ligação genética com a doença continua inexplicada.
Goldstein argumenta que o ônus genético das doenças comuns deve ser carregado sobretudo por grande número de variantes raras. Segundo essa teoria, a esquizofrenia, por exemplo, seria causada por combinações de mil variantes genéticas raras, não de dez variantes genéticas comuns.
Seria uma notícia nada bem-vinda aos que defendem que as variantes comuns detectadas até agora, mesmo que expliquem só uma pequena porcentagem dos riscos, identificam os caminhos biológicos pelos quais uma doença emerge. Eles argumentam que isso levaria à produção de drogas que possam corrigir os caminhos equivocados.
Mas se centenas de variantes raras têm envolvimento numa doença, elas podem envolver uma parte grande demais da bioquímica corporal para serem úteis. "Ao apontar para tudo, a genética não apontaria para nada", escreve Goldstein no periódico. Na mesma publicação, outros dois geneticistas, Peter Kraft e David J. Hunter, da Escola Harvard de Saúde Pública, concordam com Goldstein e creem que é provável que muitas variantes genéticas, e não poucas, "sejam responsáveis pela maior parte do risco herdado de cada doença comum".
Mas eles discordam da ideia de Goldstein de que mais estudos de associação de genoma completa trará retornos cada vez menores. "Haverá mais variantes comuns a serem encontradas", disse Hunter. "Seria lamentável desistir agora."
Goldstein, porém, disse que encontrar variantes raras com efeitos pequenos é algo "além do âmbito dos estudos de associação de genoma completo", mesmo que sejam recrutados números enormes de pacientes. Para ele, os recursos devem ser desviados desses estudos, muito caros.
"Se você perguntar qual é a maneira mais rápida de avançar no estudo clinicamente útil da genética, estou convencido que é reunindo recursos para estudar genomas completos, e não ir mais fundo nas análises das de variações comuns", disse.
Goldstein advoga a decodificação do DNA completo de pacientes cuidadosamente selecionados. Kraft e Hunter afirmam que o risco genético de uma pessoa sofrer doenças comuns pode ser estimado hoje apenas aproximadamente, mas que as estimativas vão se aprimorar à medida que forem encontradas mais variantes. Mas, afirmou Kraft, isso significa que qualquer estimativa de risco oferecida pelas empresas de genômica pessoal hoje é instável e sujeita a revisões futuras, para mais ou para menos.


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