São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009

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Como cozinhar afetou nossa evolução

Por CLAUDIA DREIFUS

O primatólogo e antropólogo britânico Richard Wrangham vem há quatro décadas observando chimpanzés selvagens na África para ver o que seu comportamento poderia nos dizer sobre os humanos pré-históricos. Wrangham, 60, leciona antropologia biológica na Universidade Harvard (EUA). Em breve ele deve publicar um novo livro, "Catching Fire: How Cooking Made Us Human" ("Pegando fogo: como cozinhar nos tornou humanos").

Em seu novo livro, o senhor sugere que cozinhar facilitou nossa evolução. Até agora, cientistas teorizavam que a produção de ferramentas e o consumo de carne criaram as condições para a ascensão do homem. Por que o senhor argumenta que cozinhar foi o principal fator?
Richard Wrangham. Tudo o que você menciona foram motores da evolução da nossa espécie. Entretanto, nosso cérebro grande e o formato dos nossos corpos são produto de uma dieta rica, que só ficou disponível para nós depois que começamos a cozinhar. Foi o ato de cozinhar que forneceu aos nossos corpos mais energia do que obtínhamos anteriormente como animais coletores comendo comida crua.
Os chimpanzés modernos provavelmente consomem os mesmos tipos de alimentos que nossos primeiros ancestrais. Os chimpanzés passam a maior parte do seu dia encontrando e mascando alimentos extremamente fibrosos. Sua dieta é muito insatisfatória para os humanos. No entanto, uma vez que nossos ancestrais começaram a comer comidas cozidas -há aproximadamente 1,8 milhão de anos-, sua dieta se tornou mais macia, mais segura e bem mais nutritiva. E foi isso que alimentou o desenvolvimento do corpo ereto e do cérebro grande que associamos aos humanos modernos. Nossos ancestrais conseguiram evoluir porque as comidas cozidas eram mais ricas, mais saudáveis e exigiam menos tempo para comer.

Para cozinhar é preciso fogo. Como os primeiros humanos o conseguiam?
Richard Wrangham. Os australopitecíneos, predecessores dos nossos ancestrais pré-humanos, viviam em savanas com planaltos secos. Encontravam frequentemente fogueiras naturais e comida melhorada por essas fogueiras. Além disso, sabemos por marcas de cortes em velhos ossos que nosso ancestral distante Homo habilis comia carne. Eles certamente faziam martelos de pedras, que podem ter usado para amaciá-la. Sabemos que fagulhas voam quando você martela a pedra. É razoável imaginar que nossos ancestrais comiam alimentos aquecidos pelas fogueiras que eles acendiam quando preparavam sua carne.
Agora, uma vez que você tinha fogueiras comunitárias e uma dieta com mais calorias, o mundo social dos nossos ancestrais também mudou. Como os indivíduos eram levados para um local específico, atraente, com uma fogueira, eles passavam muito tempo juntos em torno dela. Isso era claramente um sistema muito diferente do estilo perambulante dos chimpanzés, dormindo onde dava vontade.

Seus críticos dizem que o senhor tem uma ótima teoria, mas sem provas. Dizem que não há evidências de fogueiras há 1,8 milhão de anos.
Richard Wrangham. Sim, há quem diga que precisamos de provas arqueológicas de que fazíamos fogueiras há 1,8 milhão de anos. E, sim, até agora nenhuma foi achada. Há evidências de Israel mostrando o controle do fogo há cerca de 800 mil anos. Eu adoraria ver sinais arqueológicos mais antigos. Em algum momento conseguiremos.
Temos fortes evidências biológicas. Nossos dentes e nosso intestino se tornaram pequenos há 1,8 milhão anos. Essa mudança só pode ser explicada pelo fato de que nossos ancestrais estavam recebendo mais nutrição e alimentos mais macios. E isso só poderia ter acontecido porque eles estavam cozinhando.

Já que o senhor acredita que a comida crua da pré-história deixaria uma pessoa com fome, isso significa que estamos adaptados aos alimentos que consumimos atualmente -McDonald's, pizza?
Richard Wrangham.
Estamos adaptados à nossa dieta. Nosso estilo de vida é que não está. Nossos corpos estão desenhados para maximizar a quantidade de energia que obtemos dos alimentos. Então somos ótimos em selecionar os alimentos que fornecem muita energia. Mas ingerimos muito mais do que precisamos. Isso não é adaptativo.


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