São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009

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ELA BHATT

Um apoio para indianas pobres


"Por que deve haver diferença entre trabalhadores, quer eles trabalhem em uma fábrica ou em casa?"


Por SOMINI SENGUPTA

AHMADABAD, Índia - Trinta e cinco anos atrás numa cidade têxtil que já foi próspera, Ela Bhatt lutou por salários mais altos para as mulheres que carregavam rolos de tecido na cabeça. Depois ela criou o primeiro banco para mulheres da Índia.
Desde então, sua Associação de Mulheres Trabalhadoras Autônomas (Sewa, na sigla em inglês) ofereceu contas de aposentadoria e seguro-saúde para mulheres que nunca tiveram uma rede de segurança, emprestou capital para empreendedoras abrirem salões de beleza nas favelas, ajudou artesãs a vender seus trabalhos para lojas de departamentos nas cidades e treinou seus membros para ser frentistas em postos de gasolina -um trabalho incomum para mulheres.
Bhatt é uma pragmática da nova Índia. Aos 76 anos, ela critica em parte a adesão da Índia às reformas de mercado, mas não obstante quer ver os trabalhadores indianos mais pobres participarem da economia pujante e em rápida globalização. Ela construiu, no estilo de Gandhi, um formidável império de cooperativas dirigidas por mulheres -cem na última contagem-, algumas das quais oferecem creches para filhos de trabalhadoras, outras vendem sementes de gergelim para firmas de processamento de alimentos -tudo moldado no ideal gandhiano de autossuficiência.
Ela chama isso de busca por liberdade econômica em uma Índia democrática. Seu projeto oferece um vislumbre dos novos anseios das mulheres indianas. Paneleiras ou fabricantes de picles, bordadeiras ou vendedoras de cebola, os membros da Sewa são empregadas principalmente no setor informal. Não têm salários regulares, nem licenças médicas ou férias.
A parcela dos indianos empregados no mercado informal -sem a cobertura das leis trabalhistas da era socialista dos tempos de Guerra Fria- cresceu para mais de 90% desde 1991, segundo relatório recente. Entre eles, o relatório revelou que quase 75% viviam com menos de US$ 0,20 por dia e virtualmente não tinham rede de segurança. "Por que deve haver diferença entre trabalhadores, estejam eles trabalhando em uma fábrica, em casa ou na rua?", perguntou-se Bhatt.
Com 500 mil membros só no Estado de Gujarat, oeste do país, o império da Sewa inclui duas empresas lucrativas que costuram e bordam roupas femininas. Mais de 100 mil mulheres estão inscritas nos planos de saúde e seguro de vida da organização. Seu banco tem 350 mil depositárias e, como a maioria das organizações de microfinanças, um índice de adimplência de 97%.
Um empréstimo da Sewa de aproximadamente US$ 250 permitiu que Namrata Rajhari começasse a construir um salão de beleza 15 anos atrás, em seu barraco de um quarto em um enclave da classe operária chamado Behrampura. Com o dinheiro do negócio, Rajhari instalou um banheiro em casa, acrescentou uma sala e comprou uma máquina de lavar. "Antes me sentia vazia. Não sabia nada sobre o mundo", disse. "Agora, com meu rendimento, meus filhos estão estudando."
"O computador também veio do dinheiro do meu salão", ela acrescenta. Uma filha está matriculada em uma escola particular inglesa.
Nascida em uma família brâmane privilegiada, Bhatt seguiu um caminho incomum para uma mulher de sua época. Formou-se em direito e escolheu o homem com quem se casaria. Começou a carreira de advogada no principal sindicato de trabalhadores têxteis da cidade, a vasta maioria deles homens, e afastou-se em 1981 para criar um sindicato de mulheres.
No início as ambições das mulheres eram limitadas, ela disse. Queriam banheiros, máquinas de cortar cabelo ou de costura para trabalhar e dinheiro para pagar a escola dos filhos.
Aos poucos, ela notou que começaram a sonhar mais alto. As mães hoje querem que suas filhas aprendam a dirigir motos e a trabalhar em computador. "Elas não viam um futuro na época", disse. "As expectativas cresceram muito."
Há pouco tempo, Bhatt perguntou aos membros da Sewa o que significa "liberdade". Algumas disseram que era a capacidade de sair de casa. Outras que era ter um banheiro com porta. Outras disseram que era ter seu próprio dinheiro, um celular ou "roupas limpas todos os dias".
Então ela contou sua favorita. Uma mulher disse que liberdade era "olhar nos olhos de um policial".


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