São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2009

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Jovens encontram rebelião no islã

Por MICHAEL SLACKMAN

AMÃ, Jordânia - Muhammad Fawaz é um estudante universitário muito sério, com o olhar firme e um sorriso hesitante que mal esconde a raiva reprimida. Ele nunca quis frequentar a Universidade da Jordânia e detesta passar horas no transporte todos os dias.
Como estudante colegial, Fawaz, 20, sonhava ganhar uma bolsa para estudar no exterior. Mas foi impossível, de acordo com ele, porque não tinha uma “wasta”, ou conexão. Na Jordânia, as conexões são consideradas essenciais para o progresso, e o sistema de “wasta” é citado habitualmente pelos jovens como sua maior queixa do país.
Por isso Fawaz decidiu se rebelar. Ele adotou o comportamento tranquilo e disciplinado de um ativista islâmico. Em seu ano de calouro, foi aceito no grupo estudantil afiliado à Irmandade Muçulmana, o maior e mais influente grupo religioso, social e político da Jordânia, que quer ver o Estado governado pela lei islâmica, a sharia. Hoje ele trabalha para recrutar outros estudantes para a causa.
Na Jordânia, diferentemente do Egito, a Irmandade Muçulmana é legal, com um partido político e uma vasta rede de serviços sociais. “Eu acho que há justiça no movimento islâmico”, disse Fawaz. “Eu posso me expressar. Não existe necessidade de ‘wasta’”.
Em todo Oriente Médio, jovens como Fawaz adotaram o islamismo como um agente de mudança e rebelião. Em todo o islã eles desafiam a situação vigente e os governos considerados corruptos e incompetentes.
Esses jovens —60% da população da região têm menos de 25 anos— estão promovendo um renascimento mundial do islamismo, movidos por uma sede de mudança política e justiça social. Esse fervor popularizou uma interpretação mais conservadora da religião.
“Para nós o islamismo é o que o pan-arabismo foi para nossos pais”, disse Naseem Tarawnah, 25, um repórter de economia e blogueiro que não faz parte do movimento.
As implicações disso em longo prazo provavelmente vão complicar os cálculos da política externa americana. Washington deverá achar mais difícil manter a política de afastar líderes de grupos como a Irmandade no Egito ou o Hamas em Gaza e o Hizbollah no Líbano, que atraem uma enorme simpatia do público.
Os líderes de países muçulmanos tentaram acalmar o sentimento público enquanto faziam o possível para desencorajar o Ocidente de se envolver diretamente com os movimentos religiosos. Eles veem a perspectiva de um aquecimento das relações com o Ocidente e consideram esses grupos uma ameaça a seu monopólio no poder.
Os governos autoritários enxergam a relativa moderação como um desafio político maior que o extremismo, que é um problema de segurança que pode ser contido com métodos rígidos.
“O que acontece se os islâmicos aceitarem o processo de paz e se tornarem mais pragmáticos?”, disse Muhammad Abu Rumman, editor de pesquisa do jornal Al Ghad em Ramallah. “As pessoas os consideram menos corruptos e a única oposição verdadeira. Israel e os EUA os veem de modo diferente. O regime tem medo da Irmandade quando ela se torna mais pragmática.”
Nesse ambiente, os governos são obrigados a enfrentar uma realidade criada por eles mesmos. Ao sufocar a democracia e a liberdade de expressão, o único lugar em que os grupos podem se reunir e discutir idéias críticas passou a ser a mesquita, e os únicos movimentos que tiveram espaço para prosperar foram os baseados na religião.
Hoje a busca por identidade no Oriente Médio não envolve mais tensão entre os seculares e os religiosos. A religião venceu.
Em vez disso, a luta é sobre como definir uma sociedade e um governo islâmicos. Zeinah Hamdan, 24, percorreu um caminho típico na Jordânia. Ela diz que quer um governo mais religioso guiado pela sharia e adotou o lenço de cabeça quando jovem, antes de qualquer outra pessoa em sua família.
Mas quando estava no colégio ficou ofendida quando um ativista islâmico a castigou por apertar a mão de um homem. Ela quer ser uma mulher religiosa moderna. Como outras aqui, fica dividida entre o mal-estar com o que considera atitudes extremistas da Irmandade Muçulmana e sua alienação de um governo que não considera suficientemente islâmico. “O meio é muito difícil”, ela disse.
Enquanto não há estatísticas oficiais sobre a participação de estudantes na Irmandade, apenas uma fração dos alunos da Universidade da Jordânia é formalmente afiliada. Mas muitos outros dizem compartilhar a mesma sensação vaga de descontentamento e anseio, o mesmo apoio ao slogan da irmandade, “O islã é a solução”.
Com cerca de 30 mil estudantes de todo o país, a universidade há muito serve como campo de batalha substituto para os interesses concorrentes na Jordânia.
Bilal Abu Sulaih, 24, é um líder do movimento estudantil islâmico. “Estamos tentando participar”, ele disse sobre o papel do movimento no campus. “Não queremos dominar todos os outros.”
Mas suas declarações foram contestadas por outro estudante: “Não é verdade”, gritou Ahmed Qabai, 28, que estava sentado em um banco próximo. Ele apontou um dedo na direção de Sulaih. “Vocês querem controlar tudo”, disse Qabai. “Eu já vi isso antes, sua gente falando com as mulheres e perguntando por que não usam o véu.”
Sulaih, envergonhado pelo desafio, disse: “Não é verdade”.
Qabai deixou claro que detesta a Irmandade Muçulmana, mas o que ele disse resumiu o desafio que se apresenta para a Jordânia e muitos outros governos da região: “Todos sabemos que o islã é a solução. Nisso estamos de acordo”.

Colaborou Mona el-Naggar



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