São Paulo, segunda-feira, 05 de janeiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIÁRIO DE CACAO

Hmongs constróem casa na América do Sul

Por SIMON ROMERO

CACAO, Guiana Francesa - Em uma tarde recente, Ly Dao Ly olhou para a selva além de sua plantação de frutas tropicais _rambotã e cupuaçu. Seus pensamentos viajaram ao cenário da guerra secreta no Sudeste asiático que o forçou a fugir para esse remoto território francês décadas atrás.
“Às vezes eu imagino estar vendo as montanhas do Laos naquelas colinas verdes”, disse Ly, 50, fazendeiro e padeiro nascido entre os Hmong, a tribo das montanhas que se lançou em uma guerrilha bancada pela CIA contra o partido comunista Pathet Lao nas décadas de 1960 e 1970 no Laos.
Transformados em párias quando os comunistas venceram a guerra, em 1975, mais de 100 mil refugiados Hmong se espalharam pelo mundo em lugares como Minnesota e Califórnia, nos EUA; Tailândia; França; Austrália; e na Guiana Francesa, antiga colônia de prisioneiros na América do Sul.
Desde sua chegada, há mais de 30 anos, os Hmong, que representam cerca de 1,5% dos 210 mil habitantes da Guiana Francesa, prosperaram. Os refugiados e suas famílias, antigamente miseráveis, produzem hoje até 80% das frutas e dos vegetais vendidos no departamento de ultramar, que importa o restante de sua comida da França continental ou do Brasil.“Nós brincamos que, se não fosse pelos Hmong, nós passaríamos fome neste lugar estranho”, disse Mariângela Bragance, ex-vereadora na cidade de Kourou.
Vistos por muito tempo como párias em Laos e outras partes do Sudeste asiático, os Hmong são conhecidos na Guiana Francesa pelo seu sucesso, à mostra em suas grandes casas com novas camionetes Peugeot e Toyota estacionadas do lado de fora. Seus encraves quase homogêneos em Cacao e duas outras vilas, Javouhey e Regina, não se parecem com nada mais neste continente.
Andando pelas estradas de terra de Cacao, se houve majoritariamente hmong, intercalado com um pouco de francês. Algumas mulheres vestem sarongues. Mercadores vendem tapeçarias reproduzindo a saga que os levou a esse local, depois de fugas no meio dos anos 1970 desde as montanhas do Laos até campos de refugiados na Tailândia.
A França apostou que os refugiados Hmong, alguns dos quais viviam em cidades francesas, poderiam se sair bem em área que havia repelido esforços de colonização anteriores. “A aposta deu certo porque depois de todos os anos de guerra, estávamos prontos para fazer alguma coisa diferente”, disse Ly Chao, 62, um agronomista que esteve entre os fundadores dos assentamentos de Hmongs nos anos 1970. “Nós estávamos inclusive preparados para trabalhar o solo.”
Estudos acadêmicos mostraram que os Hmong na Guiana Francesa têm saúde mais robusta e menos pessimismo sobre as suas circunstância que seus similares nos EUA, onde algumas comunidades Hmong tiveram dificuldade em se adaptar às cidades ou subúrbios e foram abatidas por suicídios e problemas de saúde.
“Sentimos falta do Laos, é claro, e eu tenho um irmão que diz que é prazeroso viver em Omaha”, diz Ly May Ha, 50, mulher de Ly Dao Ly. Hoje, os dois assam croissants e baguetes para vender em Cacao quando o sol nasce sobre a vila todos os dias. “Nossa vida está aqui, onde somos livres para ser nós mesmos”, diz ela.

Texto Anterior: Jovens encontram rebelião no islã
Próximo Texto: Dinheiro & Negócios: Como a Índia evitou uma crise bancária
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.