São Paulo, segunda-feira, 06 de dezembro de 2010

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Polônia volta-se contra si mesma

Por MICHAEL SLACKMAN

VARSÓVIA - Eram 21h30, sob uma chuva constante e gelada. O palácio presidencial brilhava forte ao fundo enquanto homens e mulheres se abrigavam sob guarda-chuvas, dizendo orações e segurando pequenas cruzes de madeira contra o corpo, diante de uma imagem de Cristo crucificado e uma estátua da Virgem Maria.
Eles estavam ali para protestar contra o presidente Bronislaw Komorowski e o primeiro-ministro Donald Tusk, em uma vigília que começou nos primeiros dias depois do acidente de avião na Rússia em abril, que matou o então presidente, Lech Kaczynski, sua mulher e dezenas de líderes políticos e militares poloneses.
Durante meses, conforme suas exigências passaram de manter uma cruz diante do palácio presidencial a construir um monumento permanente a substituir o presidente, a vigília noturna passou a representar as profundas diferenças sociais e políticas que ameaçam desviar uma das maiores histórias de sucesso do bloco soviético, segundo observadores.
A Polônia é o único país da Europa que evitou a recessão durante a crise financeira. Mas os poloneses se sentem inseguros, pessimistas e incertos sobre o futuro e voltam-se uns contra os outros.
"Temos uma bela face em tempos difíceis e nos momentos duros, mas, em tempos normais, estamos perdidos", disse Jan Oldakowski, um membro da oposição no Parlamento que foi um dos vários membros do Partido Lei e Justiça, de oposição, que recentemente deixaram o partido para formar uma coalizão mais centrista. "Com liberdade, os poloneses não sabem cooperar entre si."
A liderança política está em guerra consigo mesma. Ataques pessoais e insultos são frequentes. O ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski, que perdeu uma proposta para se tornar presidente depois que seu irmão gêmeo morreu no acidente, se recusou a cumprimentar Tusk e a participar do principal serviço memorial pelo acidente e se voltou contra alguns de seus aliados mais próximos, fazendo-os deixar o Partido Lei e Justiça, que os irmãos Kaczynski fundaram em 2001.
"Os poloneses sentem que precisam ter um inimigo", disse Urszula Slawinska, 38, que caminhava por Varsóvia. Ela não está envolvida em política, mas tem aguda consciência do que acontece ao seu redor. "Por causa de nossa história, nos definimos assim: ser polonês significa proteger nosso país. Por isso, agora que não precisamos nos proteger, ainda precisamos encontrar um inimigo."
Economistas advertem que, a menos que questões sérias sejam abordadas, a Polônia enfrentará dificuldades. Os economistas disseram que, quando as verbas para desenvolvimento da União Europeia diminuírem em 2012, o país atingirá o limite constitucional de dívida. Isso vai exigir corte de gastos, aumento de impostos e reforma das aposentadorias.
"Daqui a dois ou três anos, poderemos enfrentar um desastre", disse o economista Krzystof Rybinski. "A sociedade não compreende os desafios que enfrenta."
O choque que se desenvolveu sobre a manutenção da cruz não foi apenas um choque sobre valores e símbolos religiosos. "O pessoal do palácio presidencial não estava lutando pela cruz ou pela igreja", disse Janusz Palikot, um deputado que fundou seu próprio partido político. "Existem duas visões da Polônia lutando para coexistir."
Uma grande cruz colocada diante do palácio tornou-se uma declaração política, uma demonstração de apoio a uma visão de uma Polônia mais conservadora, religiosa e nacionalista, uma Polônia dirigida pelos irmãos Kaczynski, segundo muitos cientistas políticos, líderes religiosos e manifestantes.
A outra visão da Polônia, defendida pelo partido governista de Tusk e do presidente Komorowski, é enfocada na Europa, na adoção do euro, no fim da presença militar da Polônia no Afeganistão, e em um Estado em que a religião seria mais pessoal e menos institucional. A liderança da igreja permaneceu silenciosa sobre o assunto, o que irritou os dois lados.
"A igreja não foi culpada. Foi um conflito entre os dois partidos", disse o reverendo Maciej Zieba, um padre muito popular aqui. "Mas os vencedores são os políticos. Quem saiu perdendo? A igreja."


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