São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

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ENSAIO

CLIFFORD J. LEVY

Terror atrapalha visão de Medvedev

A sombra de Vladimir Putin está sempre presente

MOSCOU - Ao longo dos séculos, a Rússia vem oscilando entre enxergar o Ocidente como a encarnação das transformações e esnobá-lo, vendo-o como perigo ao que a Rússia já é. Os oito anos da Presidência de Vladimir V. Putin, até 2008, foram largamente vistos como um período durante o qual o país enfocou a estabilização.
Recentemente, porém, a elite começou a temer que estabilidade, por si só, não funcione -que ela esteja se calcificando, virando estagnação.
O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, reagiu proclamando uma política aberta de "modernizatsiya". Ele emprega o termo em contextos diversos, entre eles as iniciativas para frear a corrupção e a proposta de construção de um centro de tecnologia nos arredores de Moscou.
No discurso que faria no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, em 26 de janeiro, Medvedev pretendia mostrar que seu país tem um futuro atraente e reforçar suas credenciais de reformista. A intenção era que o discurso anunciasse um momento definidor para o presidente russo progressista, admirador de Obama e usuário de iPad.
Mas então um homem-bomba atacou o terminal de desembarques internacionais do aeroporto de Moscou, em 26 de janeiro, matando pelo menos 35 pessoas. De uma hora para a outra, a visão de Medvedev de uma Rússia do século 21 passou a parecer quase inalcançável.
Medvedev adiou sua viagem a Davos e, quando chegou, fez um discurso que mesmo alguns de seus próprios partidários qualificaram como sem brilho. Ao mesmo tempo em que proclamou dez princípios que ancorariam sua política de modernização, ele mencionou algo que parecia um retorno ao estilo defensivo soviético de seus predecessores. "Ainda estamos aprendendo e estamos dispostos a ouvir conselhos amigos, mas não precisamos de sermões", disse Medvedev.
O terrorismo não é o único problema a atrapalhar a marcha da Rússia para o futuro. Antes mesmo do ataque suicida ao aeroporto, a visita de Medvedev a Davos enfrentava problemas devido às preocupações com o sistema legal imprevisível da Rússia. Esses receios ganharam destaque em dezembro, quando Mikhail B. Khodorkovsky, no passado o homem mais rico do país, foi condenado em um segundo julgamento e sentenciado à prisão até 2017.
Khodorkovsky foi preso em 2003, depois de desafiar Putin, apoiando partidos políticos oposicionistas.
Seu caso é visto, há muito tempo, como sendo emblemático de como as autoridades manipulam os tribunais para punir seus críticos.
Em Davos, Medvedev procurou abrandar a preocupação suscitada pelo caso. "Acho que um investidor, quer seja russo ou americano, deve se pautar pelas leis", disse ele em entrevista à rede de televisão Bloomberg. "Senão, ele pode ser sentenciado à prisão, como aconteceu com Khodorkovsky e como foi o caso de Bernard Madoff, que recebeu uma sentença mais longa."
Medvedev também precisa comprovar que possui a força política necessária para cumprir suas promessas.
Sua plateia em Davos talvez tivesse a pergunta óbvia: o que seu predecessor, Putin, o atual primeiro-ministro, pensa de tudo isso?
Os russos veem Putin como seu líder máximo, e pesquisas indicam que há dúvida quanto à autoridade real exercida por Medvedev. Putin fala de modernização menos que Medvedev, deixando a impressão de que a modernização é projeto de Medvedev que pode não chegar a lugar algum.
Nem sequer está claro por quanto tempo Medvedev ainda poderá ser presidente. A eleição será no próximo ano, e parece que ele gostaria de outro mandato. Mas, se Putin decidir que quer o cargo de volta, como é muito possível, a expectativa é que Medvedev desista de se candidatar. Os dois, que disseram que governam como dupla, já indicaram que não serão rivais na eleição.
"Está claro que Putin ainda não disse a seu parceiro se vai deixá-lo ter um segundo mandato", escreveu o comentarista político Dmitriy Travin, do Centro de Estudos de Modernização da Universidade Europeia de São Petersburgo. "Mas, como o próprio Medvedev não sabe, de que valem seus dez princípios de Davos?
Seria possível apresentar cem princípios, desde que seus redatores de discursos trabalhem bem, mas eles não teriam nada a ver com a realidade."
Igor Y. Yurgens, assessor informal de Medvedev que possui vínculos com a ala progressista do Kremlin, disse que o ataque suicida e o veredito de Khodorkovsky são preocupantes, pois ilustram a frequência com que a liderança russa se vê envolta em crise ou preocupada em enfrentar problemas profundamente arraigados que restaram da era soviética.
Yurgens disse que Medvedev não passou uma imagem boa em Davos. Mesmo assim, segundo ele, Medvedev não tem outra opção senão modernizar o país, como jovens reformistas vêm fazendo na Rússia desde Pedro, o Grande, no século 18.
"É uma transformação civilizacional", disse Yurgens. "É preciso dizer a uma sociedade que ansiava por estabilidade que a estabilidade não a salvará. É preciso assumir riscos e reformar-se."


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