São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Evo Morales sofre humilhante derrota

Por SIMON ROMERO

EL ALTO, Bolívia - Era o dia depois do Natal. O presidente Evo Morales estava em viagem à Venezuela, a principal aliada da Bolívia, de modo que coube a seu vice a tarefa nada invejável de anunciar um aumento repentino de 73% no preço da gasolina. A reação foi imediata.
Manifestantes depredaram repartições do governo e queimaram fotos de Evo Morales, que provocou o aumento do preço ao cortar o subsídio governamental do combustível. Plantadores de coca, que há anos são uma importante base de apoio do presidente, montaram barreiras numa rodovia principal, em protesto contra a medida. Motoristas de ônibus entraram em greve e açoitaram publicamente seus colegas que se atreveram a receber passageiros.
Quando a medida foi revogada, cinco dias depois, estava claro que Morales, que pode ser visto como o líder boliviano mais forte desde a década de 1950, tinha sofrido o maior revés de sua Presidência.
Pichações surgiram em muros em El Alto e em La Paz, a capital boliviana, resumindo o sentimento popular: "Evo = Implosão".
A agressividade dos protestos e a capitulação rápida de Morales abriram um capítulo de incertezas para o presidente, que está em seu sexto ano no cargo. Em uma grande pesquisa publicada no mês passado pelo jornal "La Prensa", 67% dos entrevistados nas quatro maiores cidades disseram desaprovar a performance do presidente.
"Não acredito em pesquisas e nunca acreditei", disse Morales, 51, em uma reunião com jornalistas estrangeiros. Ele defendeu seu plano de reduzir os subsídios aos combustíveis, que descreveu como "um câncer".
A despeito dos problemas enfrentados por Morales, mesmo seus críticos dizem que seria precoce antever o fim do seu governo, apesar do repúdio público à tentativa de reduzir o subsídio do combustível.
Para começar, Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia -ele é indígena aimará- ainda é de longe a figura política dominante em um país onde mais de 60% da população se identifica como indígena.
"Evo ainda pertence a nós", disse Marina Huanca, 35, aimará que vende folhas de coca em El Alto.
A Presidência de Morales vem sendo reforçada por um período de crescimento econômico inigualado na turbulenta história recente do país, crescimento esse que é, em grande medida, fruto dos preços altos das exportações de minerais e da política econômica prudente. Mesmo depois de gastar com auxílios em dinheiro a famílias pobres, o governo ainda consegue manter um superavit orçamentário.
Mas a Bolívia, com cerca de 9,9 milhões de habitantes, ainda é um dos países mais pobres da América Latina. Mesmo assim, o novo dinamismo econômico e o crescimento relativamente igualitário são visíveis nas ruas de El Alto. Os veículos utilitários esportivos vistos nas ruas da cidade apontam para um dos dilemas subjacentes aos protestos de dezembro.
Como a Venezuela, país rico em petróleo onde a gasolina é vendida a três centavos de dólar o litro, a Bolívia subsidia fortemente a gasolina, que custa cerca de US$ 0,50 o litro no país, menos da metade do preço vigente nos vizinhos Brasil e Chile.
Diferentemente da Venezuela, porém, boa parte da receita de exportações da Bolívia vem de uma commodity diferente, o gás natural. O país importa diesel e gasolina refinada, tendo gasto US$ 666 milhões nos subsídios a esses combustíveis no ano passado. Com a alta dos preços mundiais do petróleo, o custo dos subsídios pode chegar a US$ 1 bilhão em 2011, disse o vice-presidente, Álvaro García Linera.
Analistas energéticos dizem que os baixos preços dos combustíveis na Bolívia desencorajam empresas energéticas estrangeiras de perfurarem novos poços petrolíferos e aumentarem a produção. As políticas nacionalistas de Morales limitaram os investimentos estrangeiros no gás natural, fazendo com que países vizinhos, como Argentina, Brasil e Chile, busquem novas fontes do combustível.
A turbulência suscitada pelos protestos contra a alta dos combustíveis serviu para lembrar o papel ainda exercido pela agitação popular na frágil democracia boliviana. Apesar de exercer influência maior que seus predecessores, Evo Morales descobriu que também pode ter suas ambições refreadas. "O maior referendo que existe na Bolívia é uma barreira montada numa estrada", disse o analista político Jim Schultz, em Cochabamba.


Texto Anterior: Ensaio - Clifford J. Levy: Terror atrapalha visão de Medvedev
Próximo Texto: Dinheiro & Negócios
Depois de enfrentarem o Japão, EUA encaram a China

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.