São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2010

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Crise política favorece desmatamento em Madagascar

Por BARRY BEARAK

MAROANSETRA, Madagascar - Explorando uma crise política em Madagascar, madeireiros malgaxes estão saqueando o patrimônio florestal desse país-ilha, derrubando ilegalmente espécies escassas de pau-rosa em parques nacionais pouco protegidos e exportando para a China a maior parte dos valiosos troncos.
Esse comércio ilícito foi feito em escala pequena durante uma década ou mais. No último ano, porém, multiplicou-se por 25, segundo ambientalistas que rastreiam os envios de madeira para fora do país. Eles estimam em US$ 167 milhões ou mais o valor das árvores derrubadas nos últimos 12 meses.
O assalto acelerado à floresta coincidiu com um golpe militar em março de 2009. Andry Rajoelina, prefeito da capital de Madagascar, Antananarivo, foi alçado à Presidência e, desde então, comanda um governo enfraquecido.
"O governo não faz nada porque fica com uma parte do dinheiro", disse Ndranto Razakamanarina, presidente de uma associação ambientalista malgaxe. "Muitos ministros imaginam que só ficarão três ou seis meses em seus cargos, então decidem tentar ganhar dinheiro enquanto podem. A máfia dos madeireiros é corrupta, os ministros são corruptos."
Quarta maior ilha do mundo, Madagascar é um lugar de riqueza botânica extraordinária, com cerca de 14 mil espécies de plantas, 90% das quais não existem em nenhum outro lugar do mundo. Salvar as árvores de pau-rosa tornou-de uma causa internacional. Ambientalistas vasculham os manifestos de navios que partem do país e se esforçam para constranger os donos da madeira e as transportadoras que participam do negócio.
O governo já fez repetidos anúncios de novas políticas para brecar o comércio madeireiro ilegal. "Os exportadores são fortes, mas nós também somos", disse o premiê Camille Vital em entrevista recente. "Na semana passada prendemos 52 dos envolvidos."
Mas, como admitiu o premiê, os homens detidos faziam parte das centenas de aldeões pobres que recebem US$ 2,50 por dia para trabalhar na floresta. Dois homens conseguem derrubar uma árvore de pau-rosa em uma hora, mesmo que seja grossa e forte. Depois disso, são necessárias equipes de 15, 30 ou até 50 homens para puxar as toras pelas subidas e descidas enlameadas da floresta.
Em abril, o governo anunciou mais um decreto para proteger as florestas do nordeste do país. A área inclui duas grandes reservas que integram o Patrimônio Mundial: o Parque Nacional de Marojejy, onde a floresta mergulha em vales de vegetação perenifólia densa e sobe para montanhas rochosas, e o Parque Nacional de Masoala, situado numa península em que uma encosta alta de floresta dá em um litoral intocado.
Mas o embaixador americano em Madagascar, R. Niels Marquardt, descreveu os novos regulamentos como "nada mais que uma grande brecha". Lisa Gaylord, diretora no país da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem, comentou: "Seja qual for a lei, este governo sempre encontra uma maneira de autorizar uma exceção".
No passado, o governo algumas vezes apreendeu madeira ilegalmente derrubada e multou seus donos. Mas as multas eram de valor muito inferior "ao pau-rosa empilhado perto dos rios", disse Guy Suzon Ramangason, diretor-geral da organização que administra muitos dos parques. "Empresários chineses pagam os exportadores, e estes, por sua vez, pagam os controladores, como a polícia e o governo."
Avermelhado e magnificamente granado, o pau-rosa malgaxe é uma das madeiras mais procuradas no mundo, especialmente desde que as fontes asiáticas de madeiras semelhantes se esgotaram. Na China, é usada para produzir instrumentos musicais e réplicas de mobília antiga.
Em Maroantsetra, cidade perto do Parque Nacional Masoala, as evidências do saqueio da floresta não são segredo para os moradoresa. Cerca de 500 toras de pau-rosa estavam empilhadas atrás de uma cerca de bambu, com portão trancado com cadeado. Curiosos eram afastados por cinco guardas.
"Seria muito fácil eu morrer se eu desse informações a alguém de fora", disse um dos guardas.
Arrastar as toras é trabalho braçal dos mais árduos. Os homens puxam as cordas de náilon, descansam um pouco e depois voltam a puxar. "As pedras no caminho podem danificar a madeira, e a gente tem que tomar cuidado para não deixar as toras escorregarem para um vale", disse Thomas Kiloka, 55, que fazia as vezes de carregador para os trabalhadores.
Ele reconheceu que a derrubada do pau-rosa é ilegal, mas disse que é melhor um homem pobre tirar uma árvore da floresta que roubar da casa de outra pessoa. Além disso, é improvável que sejam flagrados. "A floresta é grande."


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