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Por modernização, Rússia abre portas ao Ocidente
Por ELLEN BARRY
MOSCOU - Trezentos anos atrás, depois de se tornar rei da gigante decrépita que
era a Rússia, Pedro Romanov foi para o oeste. Viajando sob pseudônimo, o czar se
transformou em aprendiz -estudou os avanços europeus na construção de navios,
ferramentaria e procedimentos parlamentares, entre outras tecnologias de
vanguarda.
Ele voltou para reformar a Rússia. Os pobres se rebelaram contra a mudança para
o calendário europeu, e os aristocratas ficaram em silêncio. Mas Pedro insistiu
em que era do interesse russo integrar-se ao Ocidente.
Essa linha de argumentação está ressurgindo em Moscou. No final deste mês, na
Califórnia, o presidente Dmitri Medvedev passará um dia conhecendo o Vale do
Silício, modelo para a nova cidade científica que o governo russo está
construindo perto de Moscou.
E cada vez mais -como foi esboçado em um documento da Chancelaria que vazou
recentemente à revista "Newsweek" russa- os políticos estão manifestando um novo
princípio: a Rússia precisa de alianças com o Ocidente para se modernizar.
O impulso não causa surpresa. Nos últimos meses, Moscou reconheceu o massacre
soviético de oficiais poloneses em Katyn, 70 anos atrás; convidou tropas da Otan
para marchar na Praça Vermelha; e ofereceu um apoio cauteloso às sanções contra
o Irã. Também está perseguindo objetivos econômicos como acordos para viagens
sem visto na União Europeia e a admissão na OMC.
Mais revelador é o raciocínio por trás disso. O esboço que vazou da Chancelaria
sugere que a política externa pode ser modificada para ajudar a Rússia a atrair
investimentos, adquirir novas tecnologias, atualizar sua infraestrutura em
ruínas e livrar-se da dependência da extração de recursos.
Não está presente a linguagem de cerceamento pela Otan e ameaça externa que
aparecem na doutrina militar oficial da Rússia, incluindo uma atualização que
Medvedev aprovou há quatro meses. Fiodor Lukianov, editor-chefe da revista
"Russia in Global Affairs", se deteve surpreso em um objetivo estratégico do
esboço -"formar a imagem da Rússia como parceira e aliada desejável para os
países europeus". Para Moscou, isso é revolucionário, disse.
"Se a Rússia, no espírito do 'sorriso diplomático', superar o complexo de
inferioridade que a morde desde o colapso da União Soviética", ele escreveu em
um editorial, "talvez um novo capítulo esteja realmente começando".
Os céticos rejeitaram o vazamento como uma manifestação de apreço dirigida
principalmente à União Europeia e à Casa Branca. Não está claro se a diplomacia
poderá produzir o tipo de inovação que a Rússia deseja.
A Rússia tem um vibrante mercado de consumo, mas os investidores também veem sua
corrupção e seus problemas com o Estado de Direito. E até o principal projeto de
Medvedev -a aldeia de alta tecnologia de Skolkovo- é alimentado não pelas forças
de mercado, mas pelo Estado.
"Concorrência gera inovação", disse Cliff Kupchan, diretor do Eurasia Group,
consultoria de risco global baseada em Nova York. "Ainda não vejo uma avaliação
operacional disso."
Mas, disse Kupchan, o esboço da "Newsweek" pode representar uma corrente de
pensamento realmente nova.
Em todo caso, seria um engano confundir a busca por tecnologia com um desejo de
proximidade duradoura. Os eslavófilos ainda culpam Pedro o Grande por impor os
costumes ocidentais à Rússia, mas especialistas estrangeiros que vieram ao país
a seu convite foram substituídos pelos russos que eles treinaram. Historiadores
dizem que Pedro desconfiou da Europa até o fim de sua vida.
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