São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2010

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Por modernização, Rússia abre portas ao Ocidente

Por ELLEN BARRY

MOSCOU - Trezentos anos atrás, depois de se tornar rei da gigante decrépita que era a Rússia, Pedro Romanov foi para o oeste. Viajando sob pseudônimo, o czar se transformou em aprendiz -estudou os avanços europeus na construção de navios, ferramentaria e procedimentos parlamentares, entre outras tecnologias de vanguarda.
Ele voltou para reformar a Rússia. Os pobres se rebelaram contra a mudança para o calendário europeu, e os aristocratas ficaram em silêncio. Mas Pedro insistiu em que era do interesse russo integrar-se ao Ocidente.
Essa linha de argumentação está ressurgindo em Moscou. No final deste mês, na Califórnia, o presidente Dmitri Medvedev passará um dia conhecendo o Vale do Silício, modelo para a nova cidade científica que o governo russo está construindo perto de Moscou.
E cada vez mais -como foi esboçado em um documento da Chancelaria que vazou recentemente à revista "Newsweek" russa- os políticos estão manifestando um novo princípio: a Rússia precisa de alianças com o Ocidente para se modernizar.
O impulso não causa surpresa. Nos últimos meses, Moscou reconheceu o massacre soviético de oficiais poloneses em Katyn, 70 anos atrás; convidou tropas da Otan para marchar na Praça Vermelha; e ofereceu um apoio cauteloso às sanções contra o Irã. Também está perseguindo objetivos econômicos como acordos para viagens sem visto na União Europeia e a admissão na OMC.
Mais revelador é o raciocínio por trás disso. O esboço que vazou da Chancelaria sugere que a política externa pode ser modificada para ajudar a Rússia a atrair investimentos, adquirir novas tecnologias, atualizar sua infraestrutura em ruínas e livrar-se da dependência da extração de recursos.
Não está presente a linguagem de cerceamento pela Otan e ameaça externa que aparecem na doutrina militar oficial da Rússia, incluindo uma atualização que Medvedev aprovou há quatro meses. Fiodor Lukianov, editor-chefe da revista "Russia in Global Affairs", se deteve surpreso em um objetivo estratégico do esboço -"formar a imagem da Rússia como parceira e aliada desejável para os países europeus". Para Moscou, isso é revolucionário, disse.
"Se a Rússia, no espírito do 'sorriso diplomático', superar o complexo de inferioridade que a morde desde o colapso da União Soviética", ele escreveu em um editorial, "talvez um novo capítulo esteja realmente começando".
Os céticos rejeitaram o vazamento como uma manifestação de apreço dirigida principalmente à União Europeia e à Casa Branca. Não está claro se a diplomacia poderá produzir o tipo de inovação que a Rússia deseja.
A Rússia tem um vibrante mercado de consumo, mas os investidores também veem sua corrupção e seus problemas com o Estado de Direito. E até o principal projeto de Medvedev -a aldeia de alta tecnologia de Skolkovo- é alimentado não pelas forças de mercado, mas pelo Estado.
"Concorrência gera inovação", disse Cliff Kupchan, diretor do Eurasia Group, consultoria de risco global baseada em Nova York. "Ainda não vejo uma avaliação operacional disso."
Mas, disse Kupchan, o esboço da "Newsweek" pode representar uma corrente de pensamento realmente nova.
Em todo caso, seria um engano confundir a busca por tecnologia com um desejo de proximidade duradoura. Os eslavófilos ainda culpam Pedro o Grande por impor os costumes ocidentais à Rússia, mas especialistas estrangeiros que vieram ao país a seu convite foram substituídos pelos russos que eles treinaram. Historiadores dizem que Pedro desconfiou da Europa até o fim de sua vida.


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