São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2010

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DIÁRIO DE LAHORE

Forma mística do islã atrai multidão no Paquistão

Por SABRINA TAVERNISE

LAHORE, Paquistão - Para quem pensa que o Paquistão é só radicalismo o tempo todo, três atividades em uma celebração anual em Lahore podem surpreender.
Milhares de muçulmanos homenagearam no mês passado o santo padroeiro dessa cidade do leste do Paquistão, dançando, tocando tambores e fumando maconha.
Não é uma imagem comumente associada ao Paquistão, um país cuja atormentada fronteira ocidental domina o noticiário. Mas é uma parte importante de como o islã é praticado ali, uma tradição que remonta às raízes da religião no sul da Ásia, mil anos atrás. É o sufismo, uma forma mística do islã, levada para lá por pensadores errantes que difundiram essa fé para o leste, a partir da Península Arábica. Eles levaram uma mensagem de igualdade que teve profundo apelo junto às sociedades locais, esgarçadas pela pobreza e pelo sistema de castas. Até hoje, os templos sufis se destacam por darem livre acesso às mulheres.
Em tempos modernos, os sufis do Paquistão têm sido desafiados por uma forma mais rígida de religião islâmica, que domina a Arábia Saudita. Esse islã ortodoxo, muitas vezes político, foi estimulado no Paquistão na década de 1980 pelo ditador Muhammad Zia ul Haq, que tinha apoio dos EUA. Desde então, o fundamentalismo tendeu a ofuscar a versão mais moderada, cujos templos e procissões se tornaram alvos de uma guerra.
Mas se o caleidoscópio de uma multidão batendo os pés, girando, cantando e tocando tambores serve de indicativo, o sufismo ainda tem grande apelo.
"Há explosões de bombas por todo lado, mas as pessoas não se afastam", disse o bancário Najibullah, 36. "Quando a celebração chega, as pessoas têm de dançar."
Os fiéis vêm de todo o Paquistão para celebrar a data da morte do santo, Ali bin Usman al Hajveri, um místico do século 11, conhecido hoje ali como Data Ganj Baksh, "aquele que oferta tesouros". Segundo o escritor Raza Ahmed Rumi, especialista no sufismo, Al Hajveri chegou a Lahore com invasores da Ásia Central e se radicou nos arredores da cidade, entreposto na rota comercial até Nova Déli. Ali criou um centro de meditação e escreveu um manual de praticas sufis, disse Rumi.
Poucos no Paquistão sabiam disso, o que parecia não ter importância. A dança e a música eram parte de um ritmo natural de vida que, passados quase dez séculos, tem tanto a ver com a cultura quanto com a fé.
"É um festival de felicidade!", gritou o cozinheiro Muhamed Nadim em meio à barulheira da festa. "As pessoas sentem conforto aqui."
Naeem Ashraf Rizvi, morador de Lahore, engrenou facilmente uma conversa com uma estrangeira sobre a vida no Paquistão. A esmagadora maioria dos paquistaneses são sufis, explicou ele, que deplora a violência infligida pelos mais radicais deobandis, a escola de pensamento apoiada pelo general Zia.
O ano passado foi o pior para o Paquistão em termos de atentados militantes desde 2001, com um número de mortos superior ao triplo de 2006. "Os sufis não espalharam o terrorismo", disse Rizvi. "Nós somos suas vítimas. Estamos condenando a violência, mas ninguém está nos ouvindo."
Apesar de todas as posições esclarecidas de Rizvi, sua opinião enveredou para uma direção sombriamente familiar ao citar os responsáveis pelos ataques -uma lista de culpados que a maioria dos paquistaneses recita de cor: Estados Unidos, Índia, Reino Unido.
Pior do que a violência, disse Rizvi, é a fraqueza do governo, que parece incapaz de praticamente tudo. Tampouco um golpe militar seria a resposta. A única solução, disse ele, seria uma revolução popular, como a feita pelo Irã em 1979.
Mas, no Paquistão, onde o analfabetismo é rampante e os líderes estão mais preocupados em disputar o poder do que concretizar uma visão política, esse é um desejo distante. "Todo o mundo está quieto", disse Rizvi. "Não estão ouvindo ainda. Eles estão dormindo."


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