São Paulo, segunda-feira, 09 de maio de 2011

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Além do personagem chamado Bin Laden

Na morte do principal terrorista do mundo, o epitáfio de uma era

FOTOGRAFIAS DA REUTERS
Só os homens-fortes árabes ainda invocavam o nome de Osama antes de sua morte como tática de medo. Na foto, imagens de Bin Laden à venda no Paquistão

Por ANTHONY SHADID e DAVID D. KIRKPATRICK

Beirute, Líbano
O homem que prometia libertar o mundo árabe foi reduzido, com sua morte no Paquistão em 2 de maio, a uma nota de rodapé em revoluções que reconfiguram a região que ele e seus homens lutaram para compreender. Previsivelmente, as reações à morte de Osama bin Laden foram diversas. Mas talvez a mais notável tenha sido a sensação em países como Egito, Tunísia, Líbia e outros de que Bin Laden foi o eco de um tempo passado de divisões calcificadoras entre Ocidente e Oriente, ditadura e impotência.
Em um mundo árabe onde os tumultos deste ano começaram a reformular aquela aritmética política, muitas vezes pareceu que as únicas pessoas da região que citaram o nome de Bin Laden ultimamente foram os porta-vozes de homens-fortes como o líder líbio, coronel Muammar Gaddafi, e o ex-presidente egípcio Hosni Mubarak, evocando sua ameaça como uma maneira de justificar sua permanência no poder.
Para um homem que teve certa responsabilidade por duas guerras e pelo maior envolvimento americano do norte da África ao Iêmen e o Iraque, alguns dizem que sua morte serviu como epitáfio de outra era. Muitos no mundo árabe, onde três quintos da população têm menos de 30 anos, lembram os atentados de 11 de setembro de 2001 como uma memória de infância, se tanto.
"O mundo árabe está ocupado com seus grandes acontecimentos, revoluções por toda parte", disse Diaa Rashwan, vice-diretor do Centro Ahram de Estudos Estratégicos e Internacionais, uma organização de pesquisa no Cairo. "Talvez, antes da Tunísia, sua morte tivesse sido um grande acontecimento, mas hoje não."
Farah Murad, um estudante de 20 anos da Universidade Alemã no Cairo, disse sobre os atentados: "Eu tenho uma vaga lembrança, mas foi há muito tempo".
Surgiram dúvidas sobre o momento escolhido para matar Bin Laden. Alguns sugeriram que seu paradeiro era conhecido há muito tempo e que sua morte ocorreu por interesse de alguma parte -seja do governo Obama, do Paquistão ou de outros.
Bilal al Baroudi, pregador muçulmano sunita na cidade libanesa conservadora de Trípoli, disse: "Não gostamos das reações de comemoração nos Estados Unidos. O que é essa grande vitória? Qual é a grande coisa que eles conquistaram? Bin Laden não é o fim, e a porta continua fechada entre nós e os EUA".
Marwan Shehadeh, um ativista islâmico e pesquisador na Jordânia, afirmou que os árabes veriam a morte de Bin Laden com a lente de sua antipatia pelas políticas americanas -intervenções no Afeganistão e Iraque e apoio a Israel.
"Eles consideram Osama bin Laden um modelo de combate à hegemonia americana", ele disse.
Ao mesmo tempo, Shehadeh afirmou que no mundo muçulmano a morte de Bin Laden poderia simbolizar a passagem da violência para outras formas de engajamento político, reforçadas pela esperança de reformas que a Primavera Árabe representa.
Como que salientando a ideia de um divisor de águas, a Irmandade Muçulmana disse que, com a morte de Bin Laden, "os EUA deveriam sair do Iraque e do Afeganistão".
Na Líbia, onde o coronel Gaddafi constantemente chamou seus inimigos de acólitos de Bin Laden, as simpatias que poderiam existir pareceram evaporar no redemoinho da surpreendente revolta interna.
Eswahil Hassan, um médico em Darnah, no leste da Líbia, uma das cidades mais religiosas do país, disse que a notícia da morte do terrorista não obteve enorme repercussão.
Para salientar, ele contou que ele e um amigo no hospital conversaram sobre os problemas que Bin Laden causou para os líbios, que, de repente, tiveram de provar que não pertenciam à Al Qaeda. O amigo ficou feliz ao ver Bin Laden partir, segundo o doutor Hassan. "Que vá para o inferno", seu amigo teria dito.
A morte de Bin Laden, inevitavelmente, será considerada mais um marco na evolução do relacionamento do islamismo político com o Estado árabe. Em 2001, Bin Laden foi considerado o símbolo de uma religião tumultuada, a personificação das frustrações da população com uma fé aparentemente dominada por uma potência ocidental.
Um corolário foi a repressão aos ativistas islâmicos dentro do mundo árabe; muitos comentaram que Ayman al Zawahri, o vice de Bin Laden, se radicalizou nas prisões do Egito autoritário.
A sensação de impotência, seja nos bairros mais pobres do Cairo ou nos recantos mais tradicionais de Riyad, na Arábia Saudita, parecia salientar o apoio a ele.
"Depois que a Guerra Fria terminou e os EUA se tornaram a única potência, ele foi o único que se contrapôs aos americanos", disse Islam Lotfy, um ativista e líder da ala jovem da Irmandade Muçulmana, o maior grupo islâmico do Egito.
Embora ainda incipientes, as rebeliões árabes, especialmente no Egito e na Tunísia, introduziram os princípios de uma nova política, na qual as correntes islâmicas poderão ter uma participação e livrar-se da sensação de impotência que as empurrou para Bin Laden no passado.
E, enquanto permanece a raiva contra a política americana e o tratamento dado por Israel aos palestinos, a tensão se voltou amplamente para dentro, enquanto os ativistas deliberam que tipo de Estado surgirá.

Colaboraram Mona El Naggar no Cairo, Nada Bakri e Hwaida Saad em Beirute, Kareem Fahim em Benghazi e C. J. Chivers em Misurata



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