São Paulo, segunda-feira, 10 de outubro de 2011

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Recorrendo às ruas em vez das urnas

Por NICHOLAS KULISH

MADRI - Centenas de milhares de indianos desiludidos aplaudem um ativista rural em greve de fome. Israel vacila diante das maiores manifestações de rua de sua história.
Jovens ocupam praças na Espanha e na Grécia.
Suas queixas vão da corrupção à falta de moradia acessível e empregos. Mas da Ásia Meridional ao coração da Europa, e agora até Wall Street, esses manifestantes compartilham algo mais: o cansaço e até o desprezo pelo processo político democrático tradicional.
"Nossos pais são agradecidos porque estão votando", disse Marta Solanas, 27, uma jornalista online espanhola desempregada. "Somos a primeira geração a dizer que votar é inútil."
Desigualdades de renda, alto desemprego e cortes nos gastos sociais ajudaram a promover o mal-estar. Mas até na Índia e em Israel, onde o crescimento continua robusto, manifestantes dizem sentir que há necessidade de um ataque ao próprio sistema.
Cada vez mais cidadãos estão rejeitando as estruturas convencionais, como partidos e sindicatos, em favor de menos hierarquia e mais participação, aos moldes da cultura da internet.
Esses movimentos de protesto em democracias não são diferentes dos que abalaram governos autoritários e derrubaram líderes na Tunísia, Egito e Líbia este ano.
As ferramentas de mapeamento, sites de vídeo e redes sociais, o noticiário comunitário do Twitter e a facilidade de donativos em sites como PayPal torna instantaneamente viável a união de indivíduos de mentalidade semelhante.
"Você está vendo uma geração de jovens de 20-30 anos que estão habituados à auto-organização", disse Yochai Benkler, diretor do Centro Berkman para a Internet e Sociedade da Universidade Harvard. "Eles acreditam que a vida pode ser mais participativa, menos centralizada, menos dependente dos modelos tradicionais de organização, seja no Estado ou nas empresas. Eram as maneiras de fazer as coisas na economia industrial, e não são mais."
Os eleitores frustrados não estão agitando para que um ditador assuma o poder. Mas dizem que não sabem a quem recorrer em um momento em que as opções políticas da era da Guerra Fria parecem vazias. Na Espanha, açoitada pelo maior índice oficial de desemprego do mundo desenvolvido, com 21%, muitos perderam a confiança de que os políticos de qualquer partido possam encontrar uma solução. Suas demandas são vagas, mas seu grito por socorro é forte e determinado. Conhecidos como "indignados", eles bloqueiam o trânsito, ocupam praças e se reúnem para ouvir palestras.
Mas os críticos levantaram preocupações sobre o impulso para evitar as instituições representativas. Na Índia, depois que o jejum de Anna Hazare, um ativista de 74 anos, ganhou milhares de jovens apoiadores e obrigou o Parlamento a aceitar algumas de suas principais exigências sobre uma medida anticorrupção, muitos adversários viram a prática como um boicote antidemocrático.
No Reino Unido, usando sistemas de comunicação como o Messenger para se reunir e escapar da polícia, jovens incendiaram lojas.
Mas, os puristas envolvidos em muitos desses movimentos dizem que pretendem evitar os antigos canais políticos.
A esquerda política, que poderia parecer o destino natural para os novos movimentos, está comprometida aos olhos dos ativistas pelo centralismo neoliberal de Bill Clinton e Tony Blair. A velha esquerda continua unida aos sindicatos, mesmo que eles representem uma parcela cada vez menor da força de trabalho. Recentemente, a participação da centro-esquerda na ajuda aos bancos alienou antigos seguidores, que dizem que o dinheiro deveria ter ido para a população.
Em muitos países europeus a decepção é dupla: com os governos endividados e com a União Europeia, vista como distante e antidemocrática, ditando medidas de austeridade que os políticos simplesmente aceitam, segundo os manifestantes.
"A maior crise é uma crise de legitimidade", diz Solanas. "Eles não estão fazendo nada por nós."
A economia de Israel é uma história de sucesso incomum. O país rapidamente cresceu de um sistema estatal para uma locomotiva de alta tecnologia dirigida pelo mercado, mas com a riqueza veio a desigualdade. Manifestantes dizem que a mesma pequena classe de pessoas que lucraram com as privatizações também domina os partidos políticos.
Para Yonatan Levi, 26, a ascensão das forças de mercado produziu um sentimento de que a função do cidadão se limitava a idas ocasionais às urnas de votação. "O sistema político abandonou seus cidadãos", disse.

Ethan Bronner contribuiu, de Tel Aviv, e Jim Yardley, de Nova Déli


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