São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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Tempo de despertar na Índia

Manpreet Romana Para The New York Times
Os indianos de classe média estão fartos das falhas do governo. Acima, ativistas fizeram campanha em Nova Déli por leis anticorrupção

Por JIM YARDLEY

DWARKA, Índia - A Índia enfrenta um paradoxo. Quanto mais rico o país vem ficando, mais politicamente desiludidos estão muitos dos beneficiários dessa riqueza. A classe média possui influência econômica enorme, mas ainda é politicamente marginalizada no país, uma democracia em que as massas rurais ainda dominam os resultados das eleições, enquanto a classe dos magnatas ganha a atenção dos políticos.
A classe média é o grupo demográfico que mais crescen do país. A expectativa é que seu poder de compra triplique nos próximos 15 anos, fazendo da Índia um dos mais importantes mercados de consumidores no mundo. Mas poder de compra ainda não se traduziu em poder político.
Centenas de milhares de pessoas foram a Nova Déli em agosto para participar de grandes manifestações anticorrupção lideradas pelo ativista rural Anna Hazare. O movimento encabeçado por Hazare abalou o establishment político da Índia porque ofereceu um vislumbre do que pode acontecer se a classe média se mobilizar em todo o país. Profissionais liberais e estudantes universitários garantiram a organização e o dinheiro que levaram pessoas de todas as origens para as ruas, em algo descrito como um despertar político.
As classes médias emergentes ajudaram, no passado, a derrubar governos autoritários na Coreia do Sul e Taiwan, à medida que o aumento da renda das pessoas foi acompanhado pela reivindicação de mais direitos democráticos -um fenômeno que ainda está em ebulição na China. Mas a Índia teve democracia antes de ter riqueza, e a insatisfação de sua classe média se deve às falhas das instituições democráticas do país.
Vista com frequência como sendo apática em relação à política eleitoral, a classe média vive em condomínios fechados, frequenta escolas e hospitais particulares e manifesta pouco interesse em votar, sempre que possível, distante da esfera pública.
"Esta classe média não pergunta 'o que o Estado pode fazer por mim?', mas afirma 'o Estado está me impedindo de fazer o que eu quero'", disse Devesh Kapur, diretor do Centro para o Estudo Avançado da Índia, na Universidade da Pensilvânia.
Uma geração atrás, a classe média indiana era menor e era composta especialmente por funcionários governamentais que viviam em conjuntos habitacionais governamentais, enquanto seus filhos estudavam em escolas do governo. A classe média de hoje é produto das reformas econômicas dos anos 1990 e está vinculada ao setor privado.
Esta classe média geralmente enxerga os políticos com desprezo, depositando mais confiança em líderes empresariais ou, em alguns casos, em organizações não governamentais. O governo não é mais visto como provedor, mas como obstáculo.
Muitos analistas dizem que a Índia precisa de uma classe média politicamente engajada como força corretiva. Outros são mais céticos, argumentando que a alienação da classe média é uma questão tanto de casta quanto de classe social. Uma reação das castas superiores contra a ascensão, desde os anos 1990, de partidos políticos representativos das castas mais baixas. E ainda outros sugerem que o repúdio da classe média aos políticos se deve à sua falta de paciência com a mecânica imperfeita da democracia -um anseio pouco realista por eficiência à moda de Cingapura.
Shubhrangshu Barman Roy participou dos protestos de agosto.
Consultor de empresas, com formação universitária, Roy não sabia quase nada sobre Anna Hazare. Uma noite, ligou a televisão e viu milhares de pessoas reunidas enquanto Hazare, 74 anos, fazia um discurso contra o governo. Ele ficou abalado. "Eu podia sentir que as pessoas realmente queriam mudanças", falou Roy, 36 anos, sobre seu envolvimento.
Um de seus amigos, Partho Nag, dono de uma firma pequena de assistência técnica em informática, falou: "Desde que éramos crianças nos disseram 'a política não presta, não se envolva em política'. Mas a questão é que alguém precisa limpar a sujeira. Não adianta ficar apenas reclamando."

Pano de fundo burocrático
Roy e seus amigos cresceram em Nova Déli, no mesmo conjunto habitacional para funcionários do governo. Todos são filhos de funcionários da burocracia governamental que, mais tarde, lhes deram o mesmo conselho: arrume um emprego público.
"Meu pai sempre insistiu sobre isso", contou Nag. "Mas nós pensávamos que um emprego no setor público seria ruim demais."
As empresas privadas, grandes e pequenas, iriam emergir como motor do crescimento indiano e veículo que possibilitou a realização de aspirações crescentes.
Após o assassinato da primeira-ministra Indira Gandhi, em 1984, por seus guarda-costas sikhs, houve tumultos, e sikhs inocentes foram mortos. O pai de um dos amigos de Roy foi arrastado para a rua e assassinado.
"Eu odiei aquilo", recordou Roy. "Nunca fui votar porque meu voto não mudaria nada."
Seu primeiro emprego foi com uma montadora indiana de caminhões que formou uma parceria com a Toyota. "Eu fiquei maravilhado", ele contou. "Queria usar as práticas japonesas."
A política continuou a ser algo que Roy fazia questão de evitar, até surgir Anna Hazare.
A greve de fome que Hazare fez em abril forçou o governo a iniciar negociações em torno de uma agência anticorrupção proposta, conhecida como a Lokpal. Quando as negociações fracassaram, Hazare retornou a Nova Déli em agosto para nova greve de fome, desencadeando manifestações em todo o país. Hazare jejuou por 12 dias até que o governo aceitou algumas de suas reivindicações principais. Roy festejou o acontecido. "Vou poder dizer que eu estava presente quando aconteceu um momento histórico."

Cidade versus campo
Por que a classe média se mobilizou em torno da corrupção?
Uma razão disso pode ser vista na corrupção pequena que prolifera em todo o país, mas especialmente nas cidades, por uma razão -hoje as cidades têm dinheiro.
No bairro de Roy, um cano de água que deveria abastecer sua casa de água por US$ 4 mensais foi desviado para um edifício vizinho. Então Roy gastou US$ 1.000 na construção de um tanque de água. Agora sua conta de água mensal chega a US$160. Ele desconfia que autoridades locais estejam deixando a situação continuar em troca de propinas de proprietários de caminhões-pipa particulares. Mas paga, mesmo assim.
Analistas avisam que a classe média indiana não deve ser vista como um grupo homogêneo, nem equacionada economicamente com as classes médias do Ocidente. As estimativas quanto às dimensões do grupo variam entre 30 milhões e 300 milhões de pessoas, e as rendas também apresentam variações grandes. A inflação crescente, apesar de ter atingido mais os pobres indianos, também vem intensificando a ansiedade da classe média.
Hoje quase três quartos do PIB da Índia vêm das cidades.
"Para os políticos, a cidade tornou-se um lugar de obtenção de receita, enquanto o campo é um lugar de legitimidade e poder", escreveu recentemente Ashutosh Varshney, especialista em Índia na Universidade Brown, em Rhode Island.
As pesquisas recentes apontam para uma dissonância marcante: os entrevistados da classe média e em idade universitária são otimistas quanto ao futuro econômico de longo prazo, mas profundamente pessimistas em relação à política e aos partidos políticos.

Um engajamento duradouro?
A questão agora é se o ativismo da classe média não passa de uma explosão de insatisfação ou se é o início de um movimento. Ao mesmo tempo em que enfrenta desentendimentos internos, a equipe de Hazare, faz campanha para pressionar o governista Partido do Congresso pela aprovação da lei final sobre a Lokpal, participa de corridas parlamentares.
Roy aderiu a Hazare devido à retidão deste, mais que a qualquer ideologia. Roy e seus amigos assumiram o compromisso de não pagar propinas. Ele acha que agora a classe que vem se beneficiando economicamente na Índia também precisa participar da política. "Já reclamamos o suficiente."

Sruthi Gottipati, Nikhila Gill e Hari Kumar contribuiram com reportagem de Nova Déli


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