São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Velhas teorias renovam a batalha contra o câncer

Por GINA KOLATA

Mina Bissell nunca irá esquecer a visita de um proeminente cientista ao Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, da Universidade da Califórnia, onde ela trabalhava. Ela lhe entregou um texto que havia acabado de publicar sobre a gênese do câncer. "Ele pegou o papel, o segurou sobre o cesto de lixo e disse: 'O que você quer que eu faça com isso?'. E aí jogou o papel."
A cena aconteceu há 20 anos, e desde então Bissell e alguns outros lutam pela aceitação do que parecia uma ideia radical: o câncer envolve não só mutações genéticas, mas também uma interação entre células ruins e o tecido circundante.
A ideia parecia desnecessariamente complicada, e os cientistas focavam suas pesquisas nos genes e nas células isoladas do câncer, cultivadas em laboratório.
Agora, porém, cada vez mais cientistas mergulham nessas profundezas, estudando os tumores no seu ambiente celular.
E assim, segundo eles, se explicam muitas anomalias do câncer. O novo foco, dizem, é uma grande mudança no pensamento sobre por que o câncer ocorre e como contê-lo. Por enquanto, porém, a pesquisa não levou a curas, e os cientistas preveem que o resultado real do trabalho -se houver- ainda vai demorar anos.
Mas, quase 40 anos depois do início da guerra contra o câncer, os cientistas dizem que são necessárias novas direções urgentemente.
A taxa de mortalidade praticamente não cedeu na maioria dos cânceres, e a estratégia da mutação até agora teve efeito limitado -provavelmente porque as células cancerosas têm anomalias genéticas demais. Se um gene alterado é atacado, outros assumem o lugar.
Por isso, alguns cientistas estão revendo ideias que eram consideradas folclore -um golpe no seio pode desencadear o câncer, uma infecção pode alimentar células cancerosas, um sistema imunológico fraco pode permitir que o tumor se espalhe.
Eles também dizem que a nova abordagem pode ajudar a explicar mistérios como por que a incidência do câncer de mama despencou quando as mulheres deixaram de tomar hormônios na menopausa.
A ideia básica é de que as células do câncer não viram um tumor letal sem a cooperação de outras células próximas. Talvez por isso as autopsias indiquem repetidamente que a maioria das pessoas que morrem de outras causas tem pelo menos pequenos tumores que passaram despercebidos. Segundo o pensamento atual, os tumores ficaram controlados, sem fazer mal.
Isso pode também levar a uma nova concepção do tratamento: o câncer poderia ser controlado evitando o desmoronamento das células saudáveis em torno dele. A cirurgiã especializada em câncer de mama Susan Love, presidente da fundação de pesquisa que leva seu nome, compara o tumor a uma criança criada em um bairro ruim.
"Você pode tirar o garoto do bairro e a colocá-lo num ambiente diferente, e ele irá se comportar de forma totalmente diferente." "O que isso significa, se [a teoria] ambiental estiver correta, é que deveríamos ser capazes de reverter o câncer sem ter de matar as células. Isso poderia abrir uma nova forma de pensar no câncer que seria muito menos agressiva."
Algumas empresas estão atentas. A Genentech, por exemplo, estuda a forma como alguns cânceres de pele, ovário, cólon e cérebro emitem sinais às células circundantes para promover o crescimento do tumor. A empresa tem uma droga experimental que ela espera que bloqueie essa sinalização.
Outros estão estudando drogas como as estatinas e os anti-inflamatórios, que poderiam afetar os sinais entre as células circundantes e os tumores. Mas, segundo Robert Weinberg, pesquisador do câncer no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, "essa não é uma agenda científica claramente articulada, em grande parte porque ainda sabemos pouco sobre estes sinais e como sua liberação é controlada".
Os pesquisadores estão cautelosos. Ninguém sugere que controlar o ambiente do tumor irá, por si só, curar o câncer, nem minimiza a causa genética. Mas até mesmo alguns cientistas que fizeram carreira estudando os genes do câncer dizem que o ambiente de um tumor não pode mais ser ignorado.
"Sou descaradamente um geneticista do câncer", disse Bert Vogelstein, diretor do Centro Ludwig para a Genética e Terapêutica do Câncer, na Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. "As alterações genéticas nas células do câncer são a causa mais próxima da malignidade."
Mas, segundo Vogelstein, "não se pode compreender totalmente essa doença se não se compreender" o ambiente tumoral. Pode ser uma interação recíproca, especialmente conforme os tumores crescem e se tornam mais avançados.
As células circundantes podem permitir que os tumores comecem e, quando isso ocorre, o câncer parece alterar as células circundantes para alimentar o seu crescimento. "Esta noção não é fogo de palha", disse Weinberg, que em 1981 descobriu o primeiro oncogene humano, um gene que ocorre naturalmente e que, sofrendo mutações, pode provocar o câncer.
E Bissell hoje é vista como heroína, com um prêmio que leva seu nome. "Você criou uma mudança de paradigmas", disse a Federação das Sociedades Americanas para a Biologia Experimental, em uma carta anunciando que ela havia recebido o seu prêmio Excelência em Ciência de 2008.


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