São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 2011

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Grafite global de artista sem tecido

Por LESLIE CAMHI
PARIS - Sheila Hicks vem trabalhando há quase meio século na intersecção da arte, do design, do artesanato e da arquitetura. Sua resistência a ser enquadrada em qualquer uma dessas categorias pode ajudar a explicar o porquê do seu trabalho, que varia em escala do quase miniatural ao monumental, ter escapado da atenção do mundo das artes por muito tempo.
Essa situação está mudando agora. A exposição "Sheila Hicks: 50 Years", no Instituto de Arte Contemporânea da Filadélfia, destaca o trabalho dessa modernista de formação clássica -uma artista global desde antes de o termo entrar em voga- que adotou os têxteis como sua mídia principal, que ampliou exponencialmente.
"Não tenho interesse em classificar Sheila como uma artista contemporânea que deixamos passar despercebida", disse Jenelle Porter, que organizou a mostra em Filadélfia. Ela explicou que Hicks trabalhou com artesãos de todo o mundo e inventou novos materiais e técnicas.
Sheila Hicks, 76, vive em Paris e Nova York. Ela nasceu em Hastings, Nebraska. Suas tias-avós a ensinaram a fiar, tecer e costurar. Na Escola de Artes Yale, ela estudou com o alemão Josef Albers, diretor do departamento de arte, que levara os ideais do Bauhaus a New Haven, Connecticut, e com George Kubler, historiador da arte latino-americana. Uma foto de invólucros de múmias peruanas mostrada nas aulas de Kubler despertou interesse pelos têxteis.
Hicks foi ao Chile com uma bolsa Fulbright e percorreu a América Latina, absorvendo a influência de tecelões no Equador, na Bolívia e no Peru. Recebeu um diploma de mestrado em belas-artes da Universidade Yale e retornou ao México, onde expôs seus "minimes", uma série de trabalhos de tecelagem enquadrados, em sua maioria não maiores que uma mão. Alguns dos seus trabalhos de tear entraram para o acervo do Museu de Arte Moderna. Ela se casou com um apicultor mexicano de origem alemã e teve uma filha.
Depois de viver em Paris por pouco tempo em 1959, Hicks retornou à cidade em 1964. Seu segundo marido, um artista chileno (com quem teve um filho, o cineasta Cristobal Zanartu), a apresentou a círculos surrealistas e latino-americanos em Paris. Sua primeira grande encomenda pública foi uma tapeçaria para o restaurante do novo edifício da CBS em Nova York, projetado por Eero Saarinen.
Um momento de definição em sua carreira foi dado por um convite para expor na Bienal de Tapeçaria de Lausanne, em 1967.
"Expus um trabalho que eu acabara de fazer no Chile, feito de linho, com feixes de cordas compridas penduradas do teto", recordou a artista. Uma patronesse da tapeçaria disse a ela: "Mademoiselle, ouvi dizer que a senhorita está expondo uma tapeçaria." "Respondi: 'Sim, madame, aqui está'. E ela disse: 'Não vejo uma tapeçaria'."
"Virou uma piada que era contada sempre", disse Hicks. "O que é uma tapeçaria e o que não é? E o que devemos reprimir antes que vá longe demais? Eu estava me movimentando entre técnicas diferentes -de costurar, embrulhar, trançar, tear, enlaçar. " Ela acrescentou: "Meu trabalho era equacionado a uma espécie de grafitagem."
Mas ela começou a ser notada: desde suas tapeçarias em medalhões de baixo-relevo para a sede da Fundação Ford em Manhattan (1966-67), a suas tapeçarias para uma frota de aviões 747 da Air France, costuradas à mão em seda branca (1969-77), além de trabalhos encomendados pela Universidade Rei Saud, em Riad, na Arábia Saudita (1982-85), e para um centro cultural no Japão (1992-93).
Ao mesmo tempo, suas poéticas instalações temporárias de tecidos encontrados -por exemplo, uma cascata de cerca de cinco toneladas de roupas de cama limpas de hospitais suíços ou as cortinas flutuantes de faixas de bebê (usadas para enfaixar umbigos de bebês), que ela expôs em uma galeria de Kyoto em 1978- exploram a onipresença do tecido em todas as facetas da existência humana, desde o nascimento até a morte.
E, se viver em Paris vem ajudando a manter Sheila Hicks afastada do mainstream artístico americano, o fato também tem suas vantagens. "O fato de ser outsider garante uma liberdade enorme", disse Hicks. "Você é uma herege. Então, isso vira um modo de vida."


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