São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

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Um lugar à mesa

O derramamento de sangue em Gaza ressalta o desafio de Barack Obama para concretizar a remodelação das estruturas governantes globais, como a ONU

Spencer Platt/Getty Images


ENSAIO
James Traub


Mesmo antes de Israel lançar ataques à faixa de Gaza, a equipe de segurança nacional de Barack Obama já tinha compreendido que as demandas da crise atual poderiam facilmente eclipsar as esperanças de transformação nos assuntos mundiais das quais o eleito falou durante sua campanha.
As guerras no Iraque e Afeganistão, a instabilidade no Paquistão e a ameaça de proliferação nuclear no Irã já teriam sido mais que suficientes para deixar em segundo plano qualquer idéia de concentrar-se em planejamento de longo prazo. Agora, o Oriente Médio está em chamas outra vez. No entanto, especialistas em política externa de vários matizes estão exortando o próximo presidente a olhar além da fumaça e do derramamento de sangue -de fato, a aproveitar o clima de crise- para remodelar as estruturas que governam o mundo.
Essas estruturas -a ONU, o Banco Mundial e o FMI, entre outras- datam do fim da Segunda Guerra Mundial, quando os vencedores desfrutavam de um monopólio sobre o poder econômico e político. Hoje já não vivemos no mesmo mundo. A prova nítida disso foi vista em novembro, quando o presidente americano, George W. Bush, que não é afeito a sonhos multilaterais, convocou o G20 para enfrentar a crise econômica.
Até então, o conselho executivo do planeta era conhecido, desde sua primeira reunião em 1975, como G7 (G8 quando a Rússia participava). Robert Hormats, ex-funcionário do Departamento de Estado que esteve presente àquela primeira reunião, observa que por muito tempo as potências ocidentais "puderam administrar a economia global entre elas". Hoje, diz, "isso é inconcebível".
Países emergentes como China, Índia, Brasil e Indonésia hoje são responsáveis pela maior parte do crescimento econômico do mundo. O G-20 se reunirá novamente em abril. Quando o G-8 se encontrar em Roma, dois meses depois, é possível que já esteja praticamente extinto; a Itália, sua anfitriã este ano, estuda a possibilidade de abrir a reunião a novos membros.
Em janeiro passado, o premiê britânico, Gordon Brown, proferiu um discurso importante em Nova Déli no qual observou que a globalização trouxe ao primeiro plano potências novas, como a Índia. Ele lançou um chamado por um momento “de criação” que incluísse mudanças na composição das instituições do pós-guerra e novos mecanismos para fazer frente às mudanças climáticas, pobreza, energia e não-proliferação nuclear.
Muitas figuras diplomáticas importantes de ambos os partidos americanos vêm sendo vinculadas a chamados desse tipo. Brent Scowcroft, ex-assessor de segurança do presidente George Bush pai, diz: "Precisamos de instituições que reflitam o mundo em que vivemos". É o novo realismo.
De fato, as instituições do pós-guerra estão repletas de grandes nomes do passado. Não é apenas a presença da Itália no G8. Suíça, Holanda e Bélgica ocupam cadeiras no conselho do FMI; Cingapura e África do Sul, não. A China tem um lugar, mas mal chega a ter mais votos que o Canadá.
Algo que o mundo em desenvolvimento pode enxergar como provocação maior é a composição do Conselho de Segurança da ONU, cujo rol de membros permanentes, que detêm o poder de veto, não mudou desde sua criação. O Ocidente ainda ocupa 3 das 5 cadeiras permanentes.
Diferentemente de seu predecessor, Obama vê a ONU como instrumento essencial da política externa americana, mas pode ver suas iniciativas bloqueadas por um clima de amargura no Terceiro Mundo. Especialistas nas Nações Unidas dizem que ele conquistaria enorme boa vontade se apoiasse abertamente a concessão de vagas no CS aos aspirantes atuais: Índia, Brasil, Alemanha, Japão e talvez África do Sul.
Comparada ao Conselho de Segurança, a reforma do FMI vai parecer fácil. A última vez em que a ONU fez uma tentativa séria de ampliar o CS, em 2005, cada candidato tinha seu inimigo jurado próprio. Alguns sugerem que Washington se concentre primeiro em limitar o uso do veto e apenas mais tarde em incluir novos membros. Mesmo isso, porém, exigiria um esforço diplomático enorme.
Ademais, tornar uma organização mais representativa não necessariamente a torna mais eficaz. A crise econômica já demonstrou a necessidade de novos mecanismos regulatórios globais. E o Ocidente quer que China, Rússia e economias emergentes se enxerguem como participantes mais responsáveis no cenário global.
Os proponentes da reinvenção parecem ter a razão a seu lado. Mas a questão central para o próximo governo é: até que ponto é importante reformar essas estruturas, em comparação com administrar a crise?
É claro que a ONU pode esperar, enquanto a paz no Oriente Médio não pode. Mas pode-se ver a questão por outra ótica: um governo que quer trabalhar por meio de instituições, em oposição a "coalizões dos que concordam", terá que optar entre reformar essas instituições ou vê-las caminhar à irrelevância.
Em outras palavras, as mudanças são inevitáveis. Para David Rothkopf, especialista em segurança nacional que é apóstolo da reinvenção, a pergunta é: "Vamos permitir que isso aconteça em seu próprio ritmo ou vamos enxergar a oportunidade e propor uma nova visão para um sistema internacional que promova os interesses americanos, do mesmo modo que fez a visão pós-Segunda Guerra Mundial durante 60 anos?".


James Traub é colaborador da "Times Magazine" e diretor de política do Centro Global da Responsabilidade de Proteger


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