São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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11 DE SETEMBRO: DEZ ANOS DEPOIS

O rumo pacífico da Primavera Árabe

Por MICHAEL SLACKMAN e MONA EL-NAGGAR

Pouco depois de Hosni Mubarak ser deposto no Egito, radicais islâmicos, com suas barbas longas e opiniões rígidas, aderiram às manifestações no Cairo. Tal visão rapidamente atiçou um medo ocidental que durante décadas ajudou a justificar o apoio a ditadores do Oriente Médio: que a democracia permita a ascensão de radicais islâmicos ao poder.
Mas essa percepção - ainda muito difundida no Ocidente -ignora uma transformação em curso. Esses mesmos muçulmanos radicais, outrora partidários de uma ideologia que rejeitava a participação em sociedades vistas como não-islâmicas, incluindo a sua própria, agora estão se envolvendo com seus concidadãos. Envolvendo-se pacificamente.
"Acreditávamos que o uso da violência seria o único caminho para a mudança, porque todas as outras portas estavam fechadas para nós", disse Gamal el Helali, 49, membro de uma organização outrora militante, o Grupo Islâmico, que passou dez anos preso no Egito. "A revolução abriu as portas a uma mudança pacífica."
Para o Oriente Médio árabe, poucos momentos na história moderna marcaram tão claramente o fim de uma era e o início de outra quanto os atentados de 11 de setembro de 2001 e o movimento da Primavera Árabe de 2011. Ambos ajudaram a definir, de forma fundamental, a imagem dos árabes muçulmanos -para si próprios e para o resto do mundo. Ambos abalaram a natureza do poder, da política e do pluralismo no mundo árabe, e ambos criaram uma perturbadora incerteza sobre o futuro.
Mas as semelhanças param por aí. "Quando o 11 de Setembro aconteceu, o sentimento geral foi de incapacidade para mudar a nossa situação", disse o cientista político Amr Hamzawy, que está criando um partido político laico e liberal no Egito. "Mas agora a história é diferente. Estamos à altura dos desafios, e pagando o preço."
Os atentados do 11 de Setembro foram inspirados numa ideologia radical e na crença de que os problemas fundamentais que assolam povo árabe e muçulmano poderiam ser resolvidos atacando as potências estrangeiras que apoiavam ditadores, promoviam a cultura ocidental, oprimiam o islã e corrompiam a civilização.
A Primavera Árabe virou essa fórmula pelo avesso. As maiorias árabes, ainda ressentidas com as políticas ocidentais, estão agora procurando as mudanças primeiro dentro dos seus países, e culpando os seus próprios líderes pelas décadas de declínio político, econômico e cultural.
"O 11 de Setembro é irrelevante no momento", disse Tamer Tantawi, 31, executivo de uma empresa petrolífera no Egito. "Eu tenho questões muito mais importantes para me preocupar, como os acontecimentos no Egito, a revolução, como será a nova Constituição, quem será o próximo presidente."
Ao mesmo tempo, o apelo por mudança está sendo feito -com histórico sucesso- principalmente por meio de protestos pacíficos. Embora na Líbia a rebelião tenha descambado para uma guerra civil, e na Síria milhares de pessoas tenham sido mortas por forças governamentais, os êxitos no Egito e na Tunísia convenceram pelo menos alguns radicais islâmicos de que eles deveriam dar uma chance ao processo democrático.
O resultado pode acabar sendo desorientador para as noções ocidentais de estabilidade e segurança, caso as revoluções levem a um Oriente Médio com maior inclinação islâmica -mas que seja menos violento, ao menos na adoção do terrorismo como forma de promover sua pauta política.
A Irmandade Muçulmana, que há muito tempo abdicou da violência, há anos já participa desse processo na Jordânia e no Egito. Agora, os chamados "salafistas", que se identificam com a jihad, também estão participando, segundo Marwan Shehadeh, um especialista nos grupos radicais islâmicos, radicado em Amã.
Então, afirmou ele, haverá uma disputa de ideias entre moderados e radicais, que antes conseguiam vender sua linha de pensamento a um público que havia se mostrado receptivo por causa da repressão e da incapacidade da política em produzir mudanças.
"Na Jordânia, por exemplo, há uma mudança na visão e prática dos salafistas jihadistas, na medida em que eles agora acreditam na ação pacífica", disse Shehadeh, admitindo, no entanto, que essa nova abordagem pode ir por terra caso esses grupos fracassem nas urnas, ou sejam marginalizados por novos governos.
Sob muitos aspectos, a Primavera Árabe reorganizou o mundo árabe em relação àquele que emergiu do 11 de Setembro. Paradoxalmente, os atentados da Al Qaeda ajudaram a reforçar o status quo que eles pretendiam derrubar, ao dar aos ditadores árabes uma margem de manobra para, com base no medo e na repressão, preservar autoridade. O Ocidente seguiu subordinando preocupações com direitos humanos e democracia ao medo do terrorismo.
"Estamos falando de dois mundos diferentes -um endureceu os regimes, os sistemas secretos e a ditadura, e agiu de forma exatamente contrária às exigências de democracia e liberdade", disse Abdulkhaleq Abdullah, professor de ciência política na Universidade dos Emirados Árabes Unidos. "E o outro derrubou ditaduras que existiam havia décadas."
As rebeliões árabes também alteraram a região de formas menos tangíveis. Em termos de identidade, a Al Qaeda e o 11 de Setembro contribuíram para que os árabes substituíssem os soviéticos da Guerra Fria como protótipo dos vilões hollywoodianos.
O terrorismo solidificou a imagem dos árabes como um povo violento, segundo muitos especialistas, e entre muitos árabes ele gerou insegurança e problemas de autoimagem. Ao lidar com algum ocidental depois dos atentados, muitos árabes e muçulmanos diziam sentir que quase sempre precisavam primeiro provar que não eram terroristas.
A Revolução de Jasmim, que derrubou o ditador tunisiano Zine el Abidine Ben Ali, e o movimento subsequente que depôs Mubarak ofereceram pelo menos uma narrativa alternativa.
Mas, tão importante quanto, essas rebeliões populares melhoraram a autoestima das pessoas na região, oferecendo um antídoto ao sentimento sistêmico de inferioridade e vitimização, na opinião de muita gente.
"Eu hoje não me envergonho de dizer que sou egípcio", disse o engenheiro de som Amgad Shebl, 35, do Cairo. "Fomos capazes de conquistar o respeito como nação."
E, com essa melhora na autoestima, já existe a expectativa de que não só seus próprios governos devem escutar e acatar as opiniões do povo, como também de que o Ocidente precisa deixar de lado seus estereótipos e preconceitos.
"Eu acho que o ocidental médio precisa reavaliar muitos estereótipos sobre os árabes", disse Alaa al Aswany, crítico social e escritor de sucesso no Egito. "Por exemplo, o estereótipo de que mulheres com véus são desamparadas, ou que usar véu significa que você não é uma mulher independente."
Aswany disse que só há pouco tempo notou, durante um sarau semanal que promove no Cairo, como a Primavera Árabe é o contraponto do 11 de Setembro. Foi quando seu tradutor francês, Gilles Gauthier, lhe disse: "Osama bin Laden não morreu ontem, ele foi morto em 25 de janeiro".
Esse foi o dia em que a revolução egípcia começou.


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