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São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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11 DE SETEMBRO: DEZ ANOS DEPOIS

Jovens muçulmanos buscam "cara" própria para se integrar


"Agora tento viver aqui como muçulmana"


Por ANDREA ELLIOTT

A geração de americanos muçulmanos que se tornou adulta depois do 11 de Setembro enfrenta grandes desafios. Alguns tornaram-se alvo de ridicularização na escola ou de suspeita em aeroportos. Seus bairros foram revirados por agentes policiais que vasculharam mesquitas e empresas e congelaram os bens de instituições islâmicas. Seus pais e seus tios estiveram entre as centenas de muçulmanos presos sem mandado legal; milhares foram deportados.
Os estudos sobre esse grupo ainda são limitados. Mas um número crescente de sociólogos, demógrafos e outros que estão examinando as consequências do 11/09 sobre essa geração notam vários padrões marcantes. Alguns jovens muçulmanos rejeitaram sua fé, afastando-se de sua comunidade e até mudando de nome.
"De certa maneira, eles se tornaram a trágica experiência do que acontece quando as pessoas são empurradas da integração para a não integração", disse Michelle Fine, professora de psicologia no Centro Graduado da Universidade de Nova York.
Em um estudo feito pelo Centro Gallup de Abu Dhabi, dois terços dos jovens americanos muçulmanos disseram que sua religião era importante para eles. Esse grupo inclui um número crescente de convertidos, como Ify Okoye, 27, uma estudante de enfermagem de Beltsville, Maryland.
Conhecidos por alguns como "Geração 11/9", Okoye e outros decidiram resgatar a imagem do islã nos EUA, mas sua comunidade não tinha a coesão e a força organizacional de outros grupos religiosos com raízes domésticas profundas.
A maioria dos muçulmanos americanos emigrou de países árabes e do Sudeste Asiático em meados da década de 1960. Profissionais capacitados, eles ascenderam rapidamente.
"É o rumo natural das coisas que a segunda geração diga: 'Como posso participar além da bolha?'", disse Eboo Patel, presidente do Núcleo Ecumênico Jovem de Chicago. "Essa transição foi drasticamente acelerada depois do 11/9."
Enquanto os crimes de ódio contra muçulmanos aumentaram, os mais jovens no início mantiveram um perfil discreto, disse Lori Peek, socióloga da Universidade Estadual do Colorado e autora de Behind the Backlash: Muslim Americans After 9/11 [Por trás da reação: americanos muçulmanos depois do 11/9]. Mas ela descobriu que muitos modificaram suas carreiras profissionais em busca de diplomas de jornalismo e ciência política. Foram motivados, segundo ela e outros, por um novo desejo de se envolver na vida cívica americana.
"Tem a ver com corrigir estereótipos", disse Musa Syeed, 27, um cineasta de Plainfield, Indiana. "Tem a ver com contar boas histórias -histórias humanas, universais." Syeed partiu para a escola de cinema na Universidade de Nova York em 2003, decidido a usar o meio como um "instrumento de mudança". Mas com o tempo, ele se tornou cauteloso com a narrativa que chamou de "os muçulmanos também são gente", que passou a definir o modo como os americanos muçulmanos se apresentam em iniciativas artísticas ou na mídia noticiosa.
Ify Okoye se converteu ao islamismo enquanto usava a internet. Ela pesquisava no Google sobre "shahada" -a declaração de fé muçulmana- e leu em voz alta a transliteração em inglês das palavras árabes que marcam a conversão de uma pessoa para o islamismo. "Não há Deus além Deus e Maomé é seu profeta."
Okoye, então com 18 anos, vivia em Montgomery Village, Maryland, com sua mãe, uma nigeriana cristã. Ela nunca tinha entrado em uma mesquita. Se não fosse pelo 11 de Setembro e o debate sobre o islamismo que se seguiu, talvez ela não tivesse a curiosidade de pegar um Corão. Mas depois não conseguiu mais largá-lo.
Okoye passou a observar uma forma rígida de islamismo. Mas ela era as duas coisas -muçulmana e americana- e se perguntava se precisaria deixar os EUA para servir a sua fé. As táticas da jihad violenta também a perturbavam, e nisto ela não estava sozinha. Uma nova pesquisa do Centro de Pesquisas Pew, uma organização sediada em Washington, descobriu que o número de jovens muçulmanos americanos que acreditam que um atentado suicida pode ser justificável caiu pela metade -de 26% em 2007 para 13% este ano.
Okoye decidiu lutar por melhores espaços de oração para mulheres nas mesquitas. Em 2010, ela e algumas amigas começaram a fazer orações em grupo.
Em uma mesquita na Virgínia no ano passado, um guarda de segurança a expulsou. Mas ela insistiu, inspirada pela Primavera Árabe. "Queremos colocar nossa fé em ação", disse.
"Quando se tornou 'Tudo bem ser americana e viver aqui, trabalhar aqui e lutar a boa luta aqui', as batalhas mudaram, as fronteiras mudaram e as questões mudaram."
Em um dia de abril de 2010, quase mil muçulmanos de todo o Tennessee fizeram fila nos corredores do Capitólio estadual. Os legisladores deliberavam sobre um estatuto antiterrorismo que, em seu texto original, destacava a sharia, ou lei islâmica, como uma ameaça à segurança. Eles tinham retirado todas as referências ao islã, mas líderes muçulmanos ainda achavam que a legislação poderia levar a um tratamento injusto.
Remziyah Suleyman, 26, foi ao Capitólio. Fazia três anos que, recém-saída do colégio, ela começou a trabalhar como lobista para a Coalizão de Direitos de Refugiados e Imigrantes no Tennessee, que se reunia diariamente com legisladores. Ela se destacava usando seu hijab. Um senador perguntou se era uma freira.
"Eu disse 'Não senhor, é uma religião diferente'", lembrou rindo.
Dez anos antes, em 11 de setembro de 2001, Suleyman estava no colégio. Nunca havia se sentido diferente até aquele momento, ela disse, quando seus colegas falaram que "todos os muçulmanos são terroristas".
Essas provações eram pequenas comparado ao que a família de Suleyman havia passado quando fugiu das bombas químicas no Curdistão para campos de refugiados na Turquia, finalmente desembarcando em Nashville quando ela tinha 5 anos.
Pouco spós Suleyman começar a trabalhar como lobista, os muçulmanos no Tennessee enfrentaram uma nova onda de oposição: casos de vandalismo e uma revolta pública sobre planos para construir uma mesquita em Murfreesboro. Em outubro do ano passado, uma camionete empurrou o carro de Suleyman para fora da estrada enquanto ela recolhia assinaturas para um abaixo-assinado.
O estatuto antiterrorismo foi finalmente aprovado. Mas Suleyman se mantém esperançosa. "Se não mostrarmos quem somos como americanos muçulmanos, como cidadãos do Tennessee, o que acontecerá com a próxima geração?", disse ela.
"É o primeiro passo. Isto ainda vai levar muito tempo."


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