São Paulo, segunda-feira, 12 de setembro de 2011

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Filme exibe o herói vulgar da França


O Bob Dylan parisiense e seu alter ego insensato


Por SYLVIANE GOLD

O jovem Serge Gainsbourg está caminhando por Paris sob a ocupação nazista quando pára diante de um cartaz antissemita. Em um momento, o rosto judeu horrivelmente caricato do cartaz salta da parede e o persegue pela rua. Essa cena de "Gainsbourg: A Heroic Life", de Joann Sfar, assinala que o filme não é uma cinebiografia do tipo padrão.
Mas Gainsbourg, que morreu em 1991, não é o tema padrão de uma cinebiografia.
Na França ele é um herói cultural cujo equivalente americano é impossível imaginar: um cantor e compositor, fumante inveterado e movido a álcool, com a importância musical de Bob Dylan e a personalidade pública provocante e irreverente de um humorista levemente obsceno. Em muitos países ele é lembrado principalmente pela canção "Je T'Aime...Moi Non Plus", gravada em 1969 com sua então namorada, a atriz britânica Jane Birkin.
O filme, que já foi exibido em todo o mundo e estreou em Nova York em 28 de agosto, recebeu um prêmio César de melhor primeiro trabalho de um diretor.
Nele, acompanhamos Gainsbourg ao longo da década de 1980, quando ele já foi amante de mulheres famosas e belas, já teve um ataque cardíaco, incitou polêmicas e teve dois filhos (a atriz Charlotte e o músico Lulu). Esses acontecimentos são acompanhados por suas canções pop ecléticas e pontilhados por visitas regulares de Mug, um alter ego de aparência sinistra que oferece conselhos e, de vez em quando, um empurrão na direção errada.
Joann Sfar, 40 anos, é conhecido na França como criador de gibis populares. Crescido em Nice, ele viu Gainsbourg, com a barba por fazer e bêbado, deixar apresentadores de talk shows de cabelos em pé, chocados.
"Ele era um misto de Dean Martin e Johnny Rotten", comentou Sfar. "Venho de uma família judia muito devota, muito maçante, e quando eu via esse sujeito judeu russo que tinha namorado Brigitte Bardot e namorava Jane Birkin -que, para mim, era a rainha da Inglaterra-, eu pensava 'talvez exista esperança'."
Em visita recente a Nova York, Sfar se descreveu como uma espécie de criança malcomportada -uma imagem que, sugeriu, teria sua origem no fato de que, quando perdeu sua mãe antes dos 4 anos de idade, lhe foi dito que ela tinha ido viajar e retornaria apenas se ele não se comportasse mal. Quando chegou aos 6 anos, contou, ele já tinha entendido "que não adiantava me comportar bem, e talvez também não adiantasse nada acreditar".
Sfar se recorda de recortar imagens de monstros dos jornais, quando era criança, e então usar essas imagens nos roteiros de seus filmes. "Todos eram judeus, é claro. Eram perseguidos."
O ator americano Doug Jones, que faz o fauno em "O Labirinto do Fauno", de Guillermo del Toro, passou por cinco horas de maquiagem por dia para se metamorfosear em Mug. Sfar disse valorizar o contraste entre Eric Elmosnino, o ator de teatro francês que ganhou um César pelo retrato realista de Gainsbourg, e a versão estilizada de Doug Jones.
Elmosnino disse que a chave de seu papel foi perceber "que o personagem era Serge Gainsbourg, mas também Joann e eu -um monstro com três cabeças".
"Contracenar com Mug tornou o filme fiel a Gainsbourg", disse. Sfar diz que foi essa a intenção. "A família Gainsbourg pediu para dizer que é uma ficção", disse. "Mas cada frase vem de Gainsbourg. O filme é cheio de mentiras, mas são as mentiras dele."


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