São Paulo, segunda-feira, 13 de setembro de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Insatisfação com médicos causa violência na China

Médicos chineses têm formação deficiente

Por SHARON LaFRANIERE
SHENYANG, China - Esqueça a reivindicação feita por muitos pacientes chineses que pedem médicos mais honestos e bem qualificados. As autoridades de Shenyang decidiram em julho que os 27 hospitais públicos da cidade precisavam mesmo era de policiais.
O objetivo: impedir pacientes revoltados e seus familiares de atacar os médicos.
A decisão foi revogada depois de especialistas chineses em saúde terem argumentado que os policiais são funcionários públicos, não guarda-costas.
Mas as autoridades desta cidade de quase 8 milhões de habitantes tinham certa razão. Os hospitais chineses são lugares perigosos. Em 2006, o último ano para o qual o Ministério da Saúde divulgou estatísticas sobre a violência nos hospitais, ataques de pacientes ou seus familiares feriram mais de 5.500 profissionais médicos.
"Acho que a polícia deveria ter uma base permanente aqui", disse um neurocirurgião no hospital Shengjing. Apenas no mês de junho, um médico foi morto a facadas na Província de Shandong pelo filho de um paciente que morrera de câncer hepático; três médicos na Província de Shanxi sofreram queimaduras graves quando um paciente ateou fogo a uma sala de um hospital; um pediatra na Província de Fujian se feriu ao pular de uma janela do quinto andar para escapar dos familiares enfurecidos de um recém-nascido que morrera sob seus cuidados.
Nos últimos 12 meses, as famílias de pacientes mortos vêm obrigando médicos a trajar roupas de luto para sinalizar seu arrependimento pelo mau atendimento médico e organizando protestos para barrar a entrada em hospitais.
Quatro anos atrás, 2.000 pessoas promoveram um protesto em um hospital depois da notícia de que uma criança de 3 anos não teria recebido atendimento porque seu avô não pôde pagar US$ 82 em honorários adiantados. A criança morreu.
Médicos e enfermeiros dizem que as tensões nas relações entre eles e os pacientes frequentemente resultam de expectativas irrealistas de famílias pobres, que, tendo percorrido longas distâncias e gastado suas economias para serem atendidas, esperam milagres da medicina.
Mas a violência também reflete uma insatisfação muito mais ampla com o sistema de saúde público da China. No passado, o governo, sob a liderança comunista, oferecia atendimento de saúde rudimentar a preços nominais, mas recuou na década de 1990, deixando os hospitais em grande medida obrigados a se sustentar por conta própria na nova economia de mercado.
No ano 2000, a Organização Mundial de Saúde classificou o sistema de saúde da China como um dos mais injustos do mundo, situando o país em 188° lugar entre 191 países. Quase duas em cada cinco pessoas doentes ficavam sem atendimento. Apenas um em cada dez chineses tinha plano de saúde.
Nos últimos sete anos, segundo especialistas em saúde, o Estado reduziu, mas não eliminou, a diferença entre seus gastos com saúde pública e os de outros países em desenvolvimento com níveis de renda semelhantes, investindo dezenas de bilhões de dólares em planos médicos governamentais e na construção de hospitais.
O Banco Mundial estima que, hoje, mais de três em cada quatro chineses tenham plano de saúde, embora a cobertura frequentemente seja básica. E muito mais pessoas estão recebendo atendimento: ainda segundo o Banco Mundial, as internações hospitalares em condados rurais chineses dobraram em cinco anos.
Mesmo assim, a qualidade do atendimento médico prestado em boa parte da China ainda é baixa. De acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, quase metade dos médicos do país não possuem mais que um diploma de ensino secundário. Muitos médicos que atuam em aldeias nem sequer concluíram o colégio.
O atendimento básico é escasso, de modo que os hospitais -notórios pelos valores excessivos que cobram- geralmente são o primeiro lugar procurado por pacientes nas cidades, mesmo no caso de problemas de saúde tidos como menores.
Uma vez internados, os pacientes correm o risco de serem submetidos a cirurgias desnecessárias. Parece que é ainda maior a chance de os pacientes receberem prescrições de remédios desnecessários. As vendas de medicamentos constituem a segunda maior fonte de receita dos hospitais, e muitos hospitais oferecem incentivos que podem levar os médicos a receitar mais medicamentos do que seriam indicados.
Enquanto isso, os médicos parecem estar tão insatisfeitos quanto os pacientes. Eles se queixam dos baixos salários, de serem desvalorizados e da falta de confiança neles.
Como algumas outras cidades, Shenyang vem buscando maneiras de evitar tumultos; uma delas foi a criação de centros de mediação em hospitais. Mesmo assim, a cidade relatou 152 "conflitos graves" entre pacientes e médicos no ano passado.


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