São Paulo, segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

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ANÁLISE DO NOTICIÁRIO

EUA se envolvem em diplomacia, mas estão prontos para o Plano B


Obama conversa com adversários, mas empunha taco

Por DAVID E. SANGER

PEQUIM - Barack Obama assumiu a Presidência prometendo restabelecer o "envolvimento" -falar e escutar os adversários mais problemáticos e os parceiros relutantes dos Estados Unidos. Mas nunca ficou claro como o termo seria traduzido de um discurso de campanha para uma abordagem prática do mundo.
Hoje, sabemos, pela coleção de 250 mil telegramas divulgados pelo WikiLeaks, muitos deles dos primeiros 13 meses do governo Obama. O estilo de Obama parece ser: envolver-se, sim, mas também empunhar um taco -e tentar afastar as dúvidas globais de que ele esteja disposto a usá-lo.
Os telegramas sugerem que a forma de envolvimento de Obama é uma mistura complexa de abertura à negociação, escalada de pressão constante e uma série de prazos, alguns explícitos e outros vagos. Nos telegramas, o governo usa todas essas ferramentas para tentar evitar que os mulás do Irã puxem uma série interminável de artifícios e negociações até que consigam a bomba.
O prazo de julho de 2011 para começar a retirar as tropas americanas do Afeganistão é um chicote para fazer o presidente Hamid Karzai treinar suas tropas, o que criaria condições para os EUA saírem. Em uma série de casos, a abordagem mostra alguns primeiros sinais de sucesso. Mas, ao lidar com alguns dos governos mais intratáveis do mundo -do Reino Unido ao Oriente Médio-, Obama se choca com algumas limitações do mundo real.
Na Rússia, a política de envolvimento produziu resultados. O tráfego de telegramas sugere que é um intercâmbio pragmático: o governo Obama eliminou um local de defesa de mísseis na Polônia, aparentemente para conquistar o apoio de Moscou para as sanções contra o Irã.
Mas o envolvimento tem limites. As autoridades chinesas aprovaram o gesto de Obama em 2009. Mas estão cada vez mais determinadas a mostrar que não serão forçadas por um país que consideram uma superpotência em declínio. Eles declararam a maior parte do mar do Sul da China como zona de "interesse vital" e ignoraram os argumentos americanos para deixar a moeda chinesa flutuar para resolver o enorme desequilíbrio comercial.
Os telegramas confirmam que o governo americano cumpriu amplamente sua promessa de dar algum tempo para que o envolvimento funcione, enquanto se prepara para que ele falhe. Enquanto o WikiLeaks divulgou os arquivos secretos com a intenção de expor a duplicidade dos EUA, o que surpreendeu muitos leitores foi que a diplomacia americana se revelou bastante impressionante.
O registro diário mostrou diplomatas esforçando-se atrás de portas fechadas para atenuar alguns dos conflitos mais espinhosos do mundo, mas também montando um Plano B.
"Quando 'disfuncional' não serve para descrever nosso sistema e as instituições políticas", concluiu o professor Stephen Kotkin da Universidade Princeton, em Nova Jersey, depois de avaliar os telegramas, "alguma coisa no governo está realmente funcionando -o Departamento de Estado- muito melhor do que se pensava."
O Irã talvez seja o melhor exemplo dos benefícios, limites e incógnitas do estilo de envolvimento de Obama.
Obama fez um gesto em direção ao Irã antes, com pouca resposta. Mesmo enquanto aquela dança se desenrolava, os telegramas mostram que os assessores de Obama conduziam os países árabes para uma aliança regional informal que gradualmente impediu o acesso de Teerã aos bancos e portos.
Os pontos de defesa de mísseis se espalharam pelo golfo Pérsico, continuando um processo que começou sob o presidente Bush. Dennis Ross, enviado ao Oriente Médio, pediu que os sauditas forneçam petróleo à China -na esperança de que ela aceite aplicar sanções contra o Irã se conseguir petróleo em outro lugar.
Enquanto isso, o governo recusou pedidos secretos para uma ação mais forte de alguns líderes árabes, como o rei Abdullah da Arábia Saudita, cujo conselho foi "cortar a cabeça da cobra".
Não se menciona o programa secreto que se acelera contra as instalações nucleares do Irã. Mas o que virá depois? O governo é vago, pois poucas autoridades esperam que os iranianos abandonem ambições nucleares ou saibam que riscos Obama está disposto a assumir para deter o programa.
Outra questão é por quanto tempo Obama vai se envolver com líderes fracos que não o ajudarão a alcançar seus objetivos, como o presidente Asif Ali Zardari do Paquistão. Zardari teria se perguntado se os líderes militares "vão me derrubar".
A realidade é que, enquanto Obama tenta novamente convencer o Paquistão a atacar os refúgios mais duros da Al Qaeda, o Plano B está bem adiantado: houve mais de cem ataques de Predators no Paquistão este ano, quase o dobro do ano passado. Mas e se os Predators não derem conta do serviço? Os telegramas não dizem.


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