São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

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O ladrão de memória ataca família colombiana


ON-LINE: MENTE PERDIDA
Vídeo com uma família colombiana atingida por casos precoces do mal de Alzheimer:
nytimes.com/health


Um clã está no centro da pesquisa de Alzheimer

Todd Heisler/The New York Times
Gloria Villegas cuida de sua irmã María Elsy, 61, que apresentou sinais de alzheimer aos 40 e poucos anos

Por PAM BELLUCK
YARUMAL, Colômbia - Nesta rústica cidade de montanha, uma mulher idosa se viu trocando as fraldas de seus filhos de meia-idade. Em idades assustadoramente precoces, na casa dos 40, quatro filhos de Laura Cuartas começaram a esquecer e a se desintegrar, atacados pelo que as pessoas daqui há muito tempo chamam de "La Bobera". É uma condição que, em sussurros, se atribui a tudo, desde tocar uma árvore misteriosa até à vingança de um padre enganado.
É o mal de Alzheimer e, aos 82 anos, Cuartas, com seu rosto enrugado muito sério, cuida de três de seus filhos afetados. Um deles, Dario, 55, balbucia palavras incoerentes, rasga suas meias e fraldas e se debate tão vigorosamente que às vezes é amarrado a uma cadeira, só de cuecas.
Uma filha, María Elsy, 61, uma enfermeira que aos 48 começou a esquecer a medicação de seus pacientes e cujos acessos de raiva a fizeram atacar uma irmã que lhe dava banho, é uma concha humana, muda, alimentada por um tubo nasal. Outro filho, Oderis, 50, nega que sua memória esteja morrendo, que ele se lembre de apenas uma coisa de cada vez: leite, leite não, bananas. Ele diz que se tiver Alzheimer vai se envenenar.
Durante gerações, o mal atormenta estas e milhares de outras pessoas entre um grande grupo de parentes: a maior família do mundo que sofre de Alzheimer. Hoje o clã colombiano está no centro de um ataque potencialmente inovador contra a doença, um plano para ver se a aplicação de um tratamento antes do início da demência é capaz de evitá-la totalmente.
A maioria dos membros da família vem de uma região dos Andes, Antioquia. A geografia e a ancestralidade basca isolaram as pessoas daqui. Durante três séculos, muitos membros desse clã de 5 mil pessoas herdaram uma única mutação genética que garante que eles desenvolverão Alzheimer.
Grandes famílias e casamentos entre parentes aceleraram a disseminação. O quarto filho debilitado de Cuarta, Carlos Alberto Villegas, um ex-negociante de gado e seresteiro que hoje é alimentado por mamadeira, casou-se com uma prima distante. Sua sogra é um fantasma confuso; 3 dos 11 irmãos de sua mulher, até agora, estão desenvolvendo o mal.
Com o mal de Alzheimer na família dos dois pais, os três filhos de Villegas enfrentam um risco extraordinário. Um deles, Natalia, 22, pergunta: "Quanto tempo me resta, até os 35? Não há como escapar".
As memórias começam a falhar por volta dos 40 anos, às vezes tão cedo quanto 32. Em média, o Alzheimer se desenvolve plenamente aos 47.
Essa forma precoce da doença já foi considerada diferente demais para fornecer pistas sobre a variedade que surge mais tarde na vida, que tem causas desconhecidas e afeta basicamente pessoas com mais de 65 anos.
Mas acontece que as duas formas produzem alterações no cérebro e sintomas quase idênticos. Agora os cientistas vão testar tratamentos ainda não provados em colombianos geneticamente predisposto ao Alzheimer, mas que ainda não exibem os sintomas.
Eles receberão uma droga ou vacina a ser determinada para ver se ela evita a perda de memória ou a atrofia cerebral. Se a doença puder ser contida, será possível gerar tratamentos para proteger milhões de pessoas em todo o mundo do Alzheimer comum.
A doença resistiu a várias tentativas de tratamento. As atuais drogas, para pessoas que já estão prejudicadas, mostram poucos benefícios. Novas descobertas revelam "que o cérebro está altamente danificado quando elas têm demência", disse John C. Morris, pesquisador de Alzheimer na Universidade Washington em St. Louis (EUA). "Talvez o motivo de nossas terapias terem sido ineficazes, pelo menos na maior parte, é que as administramos tarde demais."
Com 530 milhões de pessoas atingidas pela doença em todo o mundo, número que alguns preveem que duplicará ou triplicará até 2050, "não podemos esperar para fazer a prevenção quando tivermos certeza absoluta do que causa [a doença]", disse Neil Buckholtz, chefe de demências do envelhecimento no Instituto Nacional para o Envelhecimento. "Esta emergência de saúde pública vai sair do controle se não fizermos alguma coisa", disse.
Os cientistas estão recrutando participantes na Colômbia e esperam iniciar os testes no próximo ano. Membros da família ainda sem sintomas, entre 38 e 45 anos, terão seus DNAs testados, receberão tratamento ou placebo e serão monitorados com testes de memória, exames de imagem do cérebro e outras medidas.
O tratamento vai atacar uma proteína, a beta-amiloide, considerada culpada por muitos cientistas porque cria placas que formam depósitos entre as células nervosas. O tratamento poderia ser uma droga que destrua ou evite as placas, ou uma vacina que contenha ou incentive a produção de anticorpos.
Os cientistas estão recrutando patrocinadores da indústria farmacêutica para o teste de US$ 50 milhões. Já captaram US$ 8 milhões. Algumas companhias pretendem testar novos tratamentos; outras, recuperar o investimento em terapias que falharam com pessoas já dementes. "Evitar que um único paciente precoce contraia a doença já é uma grande vitória", disse Dale Schenk, diretor científico da Elan Corporation. "Não é sequer discutível se isso deve ser feito. Tem de ser feito."
Pesquisadores também vão explorar quando o Alzheimer começa e por quê, examinando quais mudanças cerebrais ou biomarcadores antecedem os sintomas, disse Reiman. Se o encolhimento do cérebro, a atividade cerebral ou os níveis de beta-amiloides forem identificados como biomarcadores definitivos, os médicos poderão tratá-los como tratam o colesterol para evitar doenças cardíacas.
Os cientistas recentemente visitaram Angostura, o lar ancestral de muitos membros da família. Aldeias como esta podem ser muito perigosas. Certa vez, a enfermeira Lucía Madrigal foi sequestrada por guerrilheiros enquanto coletava sangue para testes genéticos. "Não me importa quanto tempo vocês me retenham, mas cuidem das amostras", ela disse.
Madrigal foi libertada oito dias depois (os guerrilheiros resfriaram o sangue em um rio), mas sua deixou de visitar algumas aldeias por anos. À época, Madrigal visitou Angostura só quando foi convidada por um chefe guerrilheiro. A mãe dele tinha Alzheimer.


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