São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Senhor da guerra afegão constrói império


Para americanos, o homem forte é um mal menor

Por DEXTER FILKINS
TIRIN KOT, Afeganistão ­ O homem mais poderoso nesta região árida no sul do Afeganistão não é o governador da Província, nem o chefe de polícia ou mesmo o comandante do exército afegão.
É Matiullah Khan, chefe de um exército particular que ganha milhões de dólares protegendo os comboios de suprimentos da Otan (aliança militar ocidental) e combatendo os rebeldes do Taleban ao lado das Forças Especiais Americanas. Em pouco mais de dois anos, Matiullah, um analfabeto que já foi comandante da patrulha rodoviária, tornou-se mais forte que o governo da Província de Oruzgan, não apenas suplantando seu papel na segurança, como usurpando suas outras funções, segundo seus rivais: por exemplo, nomeando funcionários públicos e distribuindo as benesses do governo. Seus combatentes realizam missões com os soldados das Forças Especiais Americanas, e quando autoridades afegãs o confrontaram, ele as repeliu ou as mandou demitir.
"Oruzgan costumava ser o pior lugar do Afeganistão, e hoje é o mais seguro", disse Matiullah em uma entrevista em seu complexo aqui, onde pessoas se reúnem todos os dias para lhe prestar homenagem e pedir dinheiro e ajuda. "O que devemos fazer? As autoridades são covardes e ladras."
Matiullah é um dos vários chefes guerreiros semioficiais que surgiram em todo o Afeganistão nos últimos meses, enquanto oficiais americanos e da Otan tentam reforçar -e às vezes até suplantar- as forças afegãs regulares, ineficazes em sua batalha contra a insurgência dos talebans.
Em alguns casos, esses homens-fortes restabeleceram a ordem, mas ao preço de minar as instituições que os americanos tentam construir: estruturas de governo como forças policiais e administrações provinciais que um dia deverão ser fortes o suficiente para permitir que as tropas americanas e de outros países se retirem.
Para os americanos, que correm para garantir a segurança do país no prazo definido pelo presidente Barack Obama, o surgimento desses homens fortes é considerado um mal menor, apesar de muitos deles serem comprometidos. No caso de Matiullah, os comandantes americanos parecem ter posto de lado relatos de que ele é conivente com os traficantes de drogas e os rebeldes. "As instituições do governo, em termos de segurança e militares, ainda não são fortes o suficiente para oferecer segurança", disse o major-general Nick Carter, comandante das forças da Otan no sul do Afeganistão. "Mas a situação é insustentável e claramente precisa ser resolvida."
Muitos afegãos dizem que os americanos e seus parceiros da Otan estão cometendo um grave erro ao tolerar ou incentivar chefes guerreiros como Matiullah. Esses afegãos temem que os americanos deixem para trás um governo local frágil demais para desempenhar seu trabalho e homens fortes sem qualquer apoio popular.
"Matiullah é um analfabeto que usa o governo em seu próprio interesse", disse Mohammed Essa, um líder tribal em Tirin Kot, a capital da Província de Oruzgan. "Quando os americanos partirem, ele não vai durar. E então, o que teremos?"
Matiullah não parece um dos chefes guerreiros gordos e velhuscos das antigas guerras do Afeganistão. Alto e magro, ele usa turbantes de seda preta e levanta o dedo mínimo quando gesticula para defender uma opinião.
O exército de Matiullah é um híbrido incomum: uma empresa privada pujante e uma milícia subsidiada pelo governo.
Seu principal esforço -e o que rende mais dinheiro- é garantir a segurança da caótica estrada que liga Candahar a Tirin Kot para os comboios da Otan. Um dia por semana, Matiullah declara que a estrada de 160 quilômetros está livre e mobiliza seus atiradores para percorrê-la. A estrada corta uma área cheia de talebans.
Matiullah mantém a estrada segura e é pago para isso. Sua empresa cobra de cada caminhão de carga da Otan US$ 1.200 pela passagem a salvo, ou US$ 800 para os menores, dizem seus assessores. Segundo um deles, a renda de Matiullah é de US$ 2,5 milhões por mês, uma soma astronômica em um país pobre como o Afeganistão.
A milícia de Matiullah foi adotada pelas Forças Especiais Americanas para coletar inteligência e combater os rebeldes. O complexo de Matiullah fica a cerca de 90 metros do quartel das Forças Especiais Americanas em Tirin Kot. Um oficial americano disse que sua unidade tem um longo relacionamento com Matiullah. "Ele é o melhor que há aqui", disse.
Ao longo da estrada que liga Candahar a Tirin Kot, muitos soldados de Matiullah dirigem caminhonetes da polícia afegã e usam uniformes policiais. Cartazes de Matiullah são colados a seus para-brisas.
"Não há dúvidas sobre isso: a população de Oruzgan adora Matiullah", disse Fareed Ayel, um dos oficiais de Matiullah na estrada.
Mas há dúvidas sobre Matiullah. Apesar de seu relacionamento com as Forças Especiais, ele é suspeito de contrabando de drogas e de fazer um jogo duplo com os talebans. Um militar americano que inicialmente confirmou isto disse mais recentemente que agora Matiullah é considerado um aliado confiável.
Ele falou sob a condição de anonimato por se tratar de assuntos de inteligência.
Perguntado de novo recentemente, o mesmo oficial disse que Matiullah era suspeito de contrabando de drogas. Ele não deu detalhes. No dia seguinte, depois de consultar oficiais da inteligência, disse que Matiullah é um aliado confiável. "A avaliação deles mudou", disse o oficial. Em uma reunião recente no novo complexo das Forças Especiais Americanas aqui, Matiullah foi abordado por um mendigo afegão idoso e tirou do bolso um bolo de dinheiro.
"Longa vida a Matiullah, o senhor é o melhor", disse o velho.
Colaborou Abdul Waheed Wafa


Texto Anterior: O ladrão de memória ataca família colombiana
Próximo Texto: Lente: As mais sinceras formas de expressão

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.