São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

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Vale da Caxemira se surpreende com lento retorno de hindus


Hindus que fugiram de insurgência muçulmana anseiam por seu passado

Por LYDIA POLGREEN
SRINAGAR, Caxemira - Um sacerdote hindu acende uma fogueira e sobre ela coloca ervas, manteiga clarificada e outras oferendas. Através de sua alquimia peculiar, a fumaça purifica tudo o que toca.
Nada a respeito desse ritual Maha Yaghya, realizado numa noite de sábado recente no antes abandonado santuário de Vichar Nag, foi simples. Uma semana de chuvas deixara o terreno encharcado e pútrido. A madeira estava molhada, e foi difícil atear o fogo.
O mais peculiar, porém, foi o local escolhido para o ritual, bem no meio de uma das fronteiras religiosas mais explosivas do mundo, que separa dois países, ambos dotados de armas nucleares, que já travaram três guerras, duas delas em torno da terra onde está o santuário.
Há vinte anos, quase 400 mil hindus fugiram do vale da Caxemira, temendo uma insurgência separatista da maioria muçulmana na região. Agora, os hindus estão retornando aos poucos, algo que, para muitos aqui, é um sinal de que, após anos de violência e turbulência, uma paz intranquila, mas esperançosa, está voltando para o vale da Caxemira.
Conhecidos como pandits, os hindus de alta casta do vale estão reatando seus laços com seu lar ancestral. Alguns vêm para ficar, mas um número maior ainda vem apenas para visitar a Caxemira.
Sajay Tickoo, pandit que nunca deixou o vale e agora procura atrair de volta os que o fizeram, diz que mais de uma dúzia de santuários foi reaberta nos últimos anos.
No passado, era a presença desses santuários que fazia do vale uma região singular e idílica da Índia, repleta de macieiras e campos de açafrão emoldurados por altos picos nevados. Minoria rica, mas não excessivamente poderosa, os pandits havia séculos conviviam em relativa harmonia com seus vizinhos muçulmanos.
O mosaico de convivência mais ou menos pacífica começou a rachar durante a partilha da Índia britânica, em 1947.
Mas foi mais de uma década de insurgência que começou em 1989 que converteu a região em um campo de batalha da rivalidade acirrada entre a Índia, de maioria hindu, e o Paquistão muçulmano. Cada país controla uma parte da Caxemira.
Embora nem todos os medos e tensões do passado tenham se dissipado, quase todo mundo aqui afirma desejar a volta dos pandits. Como eles já habitavam a região havia gerações, ninguém pensa que seu retorno tenha por objetivo diluir a maioria muçulmana na Caxemira.
"A grande maioria dos caxemirenses acha o lugar realmente é incompleto sem sua diversidade", disse Omar Abdullah, ministro-chefe do Estado indiano de Jammu e Caxemira. "Se eles começarem a voltar, isso será um marco importante de nosso retorno à normalidade."
M. L. Dhar, 75, pandit caxemirense que vive em um subúrbio de Nova Déli, retornou à Caxemira recentemente pela primeira vez. Dhar ficou espantado com a recepção calorosa que recebeu dos muçulmanos do vale. "Nunca antes vivi em tanta paz quanto nos últimos sete dias", contou.
Liderado por Sajay Tickoo e alguns outros, um grupo de ativistas esperava que o ritual de purificação pudesse atrair pandits caxemirenses de volta ao vale.
Em 2009, Tickoo completou um levantamento dos pandits remanescentes no vale, contabilizando menos de 3.000. "Desde o nascimento até a morte, nós, pandits caxemirenses, temos nossa cultura e nossos rituais próprios", disse Tickoo. "Não é possível ser um pandit caxemirense fora da Caxemira."
Ainda se discute a razão pela qual os pandits fugiram e se isso foi uma reação exagerada ou uma resposta racional a uma ameaça mortal.
Dezenas de pandits foram mortos em 1989 e 1990, e o discurso anti-hindu dos militantes separatistas era crescente na época. Apesar da impressão geral de que é pouco provável que a militância retorne no futuro próximo, poucos pandits até agora retornaram de modo permanente.
No santuário de Vichar Nag, espectadores muçulmanos se surpreendiam agradavelmente com a volta de seus vizinhos. "Nunca antes vi estas pessoas, então estou curioso", disse o estudante Nazim Amin Butt, 22. "O fato deles virem para cá não é problema -o lugar deles é aqui mesmo."


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