São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

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Uma cacatua põe a ciência para dançar

Há três anos, quando Aniruddh Patel lançou "Music, Language, and the Brain" ("música, linguagem e o cérebro"), Oliver Sacks descreveu a obra como "uma grande síntese que será indispensável aos neurocientistas". Patel, 44, pesquisador do Instituto de Neurociências, em San Diego, Califórnia, recentemente falou sobre o seu trabalho.

O senhor se descreve como um neurocientista da música. Deve ser uma nova profissão. Como chegou a ela?
Sou apaixonado por duas coisas desde a infância -ciência e música. Em 1990 [...] tive essa epifania: a única coisa que eu realmente queria fazer era estudar a biologia de como os humanos fazem e processam a música. A neurobiologia da música ainda não era um campo reconhecido.

Quando se institucionalizou?
Não muito depois disso. No final da década de 1990, toda a neurociência estava sendo transformada pelo uso disseminado das tecnologias de [exames por] imagens. Já que se tornou possível aprender como o cérebro era afetado quando as pessoas se envolviam em certas atividades, tornou-se aceitável estudar coisas anteriormente consideradas marginais.

Recentemente, o sr. tem trabalhado com uma cacatua chamada Snowball. O que motivou a colaboração?
Antes de conhecer Snowball, eu me perguntava se a música humana havia sido moldada para os nossos cérebros pela evolução -significando que nos ajudou a sobreviver em algum momento. Bom, em 2008 um colega me pediu para ver um vídeo do YouTube com uma cacatua que parecia dançar na batida de "Everybody", dos Backstreet Boys! Meu queixo ficou no chão [...]. Isso deveria ser, alguns diziam, um comportamento unicamente humano! Se isso fosse real, significaria que a ave poderia ter em seu cérebro circuitos similares aos nossos para processar uma batida.

O que o sr. fez com essa ideia?
Liguei para o abrigo de aves em Indiana onde Snowball vivia e conversei com a diretora, que me contou sua história. Um homem a havia largado com um CD e o comentário "Snowball gosta de dançar isso". Um dia, Irena Schulz, a proprietária, tocou "Everybody", para alegria da criatura. E Snowball começou a se mexer. Irena então fez o vídeo do YouTube.
"Vamos preparar uma experiência para ver se isso é real", propus a Irena, que tinha formação científica. Pegamos a música dos Backstreet Boys, a aceleramos e desaceleramos a 11 diferentes tempos, e então gravamos em vídeo o que Snowball fazia em cada um deles. Em 9 das 11 variações, a ave se mexia na mesma batida.
Então agora tínhamos o primeiro caso documentado de um animal não-humano que, sem treinamento, podia sentir a batida de uma música e se mexer de acordo.

O sr. diz que Snowball mudou seu pensamento. Como?
Desde que trabalho com Snowball, passei a achar que podemos aprender mais neurociência musical estudando os comportamentos não só dos papagaios [dos quais cacatuas são parentes], mas talvez de golfinhos, focas e aves canoras -que também têm aprendizado vocal.
O que os humanos têm em comum com os papagaios? Ambas as espécies têm aprendizado vocal, com a capacidade de imitar sons. Compartilhamos essa rara habilidade com os papagaios. A esse respeito, nossos cérebros são mais parecidos com os dos papagaios do que com os dos chimpanzés.
Como o aprendizado vocal cria vínculos entre a audição e os centros de movimento no cérebro, criei a hipótese de que isso é o que é preciso para poder se mexer conforme a batida da música.


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