São Paulo, segunda-feira, 14 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTE & ESTILO

Extraindo um filme fugaz de um clássico noir

Por CHARLES McGRATH
Stephen King disse certa vez sobre o romancista Jim Thompson: "Ele era louco. Entrou correndo no subconsciente americano com uma tocha em uma das mãos e uma pistola na outra, gritando feito um maluco. Ninguém chegou perto disso".
As mesmas qualidades que tornaram seus livros tão intrigantes -a loucura e a originalidade de Thompson, sua sensualidade sombria e violenta- também o tornaram extremamente atraente para os cineastas. Stanley Kubrick contratou Thompson nos anos 1950, os tempos áureos do autor, e Sam Peckinpah na década de 70, quase no fim de sua vida.
Mas a visão de Thompson, embora pareça feita para Hollywood, é tão singular que ao longo dos anos mostrou-se notavelmente resistente à adaptação para o cinema. As duas versões de seu romance "The Getaway" -"Os Implacáveis" de Sam Peckinpah, em 1972, e o remake de Roger Donaldson em 1994- são aguadas. Mas o filme de "The Killer Inside Me" feito por Burt Kennedy em 1976, "Instinto Homicida", estrelado pelo jovem e fortão Stacy Keach, é uma bagunça.
Estranhamente, as melhores versões de Thompson para o cinema até agora foram feitas por diretores europeus: "The Grifters" (Os Imorais), dirigido em 1990 por Stephen Frears, um britânico, e o filme do francês Bertrand Tavernier de 1981, "Coup de Torchon" (A Lei de Quem Tem o Poder), adaptação do romance "Pop. 1280", que muitos consideram de longe o maior filme baseado em obras de Thompson.
Agora Michael Winterbottom, outro britânico, espera entrar para a lista com sua versão de "The Killer Inside Me", estrelada por Casey Affleck, Jessica Alba e Kate Hudson. O filme estreou no Reino Unido em 8 de junho com um lançamento mundial espaçado até outubro.
Kubrick chamou "The Killer Inside Me", que saiu em 1952, de "provavelmente a história em primeira pessoa mais arrepiante e verossímil sobre uma mente criminosa distorcida que já encontrei". O livro é talvez o melhor de Thompson e inclui muitas das dificuldades para se traduzir sua obra para as telas.
É a história de Lou Ford, um assistente de delegado em uma pequena cidade do Texas, aparentemente frouxo e ineficaz, que se revela um assassino compulsivo e impiedoso. Assim, para começar, há cenas violentas de dar calafrios, incluindo uma passagem que descreve o assassinato de uma prostituta.
Como muitos romances de Thompson, "The Killer Inside Me" é narrado na primeira pessoa, e a voz narrativa é tão sedutora e misteriosa quanto a que um assassino usa para atrair suas vítimas. Como podemos acreditar em uma palavra do que ele diz?
Robert Polito, o biógrafo de Thompson, explicou em uma entrevista: "Thompson não é como os escritores com quem o comparam frequentemente. Ele não é como Hammett, Chandler, Cain. Seus livros não são realistas. Estão muito mais próximos da fantasmagoria".
Diferentemente de Tavernier ou mesmo de Frears, Winterbottom esforçou-se para fazer o que ele chama de "um filme muito literal". Sua interpretação da cena do espancamento é tão gráfica que, nas primeiras projeções em festivais, alguns espectadores deixaram o cinema. Ele também se alonga sobre o que é apenas uma sugestão no texto e examina o gosto de alguns personagens por sexo violento, sadomasoquista.
Winterbottom mantém a natureza ambígua de Lou. Ele poderia ser um psicopata, um assassino de sangue-frio que finge ser um psicopata ferido para atrair nossa simpatia, ou alguém em quem qualquer um de nós poderia se transformar nas circunstâncias certas (ou erradas).
"Eu tive medo de ser explícito demais", disse Winterbottom. "Essas coisas acontecem, e como você as entende? Eu estava interessado em ver como é um matador, como são as pessoas."
Outra armadilha das adaptações de Thompson é o excesso de "noirismo", e Winterbottom se esforçou para evitá-lo. Seu filme, feito em Oklahoma, Estado natal de Thompson, é animador de se ver, com cenas externas banhadas de sol e automóveis coloridos dos anos 50.
"Não quis fazer um pastiche ou um filme noir de homenagem", disse. "A escrita de Thompson é muito direta e enxuta. É quase como um texto de teatro. Lembro que pensei: 'Esta é a visão de Thompson, não a sua. Vamos tentar filmar isso'." Ele fez uma pausa e acrescentou: "Foi realmente um alívio".


Texto Anterior: Catástrofe iminente para recifes no golfo do México

Próximo Texto: Bailarina encarna história turbulenta de Cuba
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.