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Bailarina encarna história turbulenta de Cuba
Por GIA KOURLAS
Alicia Alonso, diretora do Balé Nacional de Cuba, já não dança mais com os pés, os quais, numa tarde recente num hotel perto
do Lincoln Center, em Nova York, estavam elegantemente cruzados na altura dos tornozelos, metidos em femininos sapatos de
salto alto. Ela também está praticamente cega. Mas, quando fala de balé, suas mãos curtidas se agitam perto do rosto,
enquanto dedos esguios giram e saltam em delicadas coreografias.
"Danço com as mãos", concordou ela, rindo discretamente. "Sim. Danço na verdade mais com o meu coração. Então isso passa para
o meu corpo. Não consigo evitar."
Em 3 de junho, Alonso celebrou seu 90? aniversário num programa especial apresentado pelo American Ballet Theater, companhia
para a qual foi uma importante dançarina no começo de carreira. (O aniversário dela mesmo é só em 21 de dezembro.)
Alonso desperta amor e ódio. Alguns a veem como uma ferramenta política do regime de Fidel Castro e também como alguém que
ficou tempo demais no cargo e impede certos bailarinos de trabalharem no exterior.
Mas é também adorada por aficionados que se lembram saudosos da sua Giselle e da sua longevidade no palco. Sua última
apresentação foi em 1995, com "A Borboleta", uma coreografia sua. Tinha 75 anos.
"Uma moça", afirmou ela, antes de se render a uma gargalhada jovial. "Fantástico, não é? Dois anos antes, dancei 'Giselle'."
Alonso é uma raposa matreira ou uma senhora adorável. Possivelmente é as duas coisas; seu comportamento pode mudar
repentinamente. Ela se recusou firmemente a responder a qualquer pergunta relacionada à política.
"Vim aqui porque estão me dando uma recepção maravilhosa, um maravilhoso sentimento de voltar", disse Alonso. "Vou lhe falar
sobre lembranças e coisas assim, e acho que devemos manter desse jeito. Você não acha?"
A volta de Alonso ao Ballet Theater evoca emoções que, segundo ela, são difíceis de verbalizar. "Isso me lembra todos os anos
do meu trabalho aqui, meus amigos, as épocas em que viajávamos durante a guerra e as apresentações. É toda uma vida.
Estávamos criando o futuro do balé nos Estados Unidos. Foi um tremendo sonho."
Alonso entrou para o Ballet Theater em 1940, mas uma operação na vista a fez voltar a Cuba. Regressou à companhia em 1943 e
participou da formação original de "Undertow" (1945), de George Tudor, "Fall River Legend" (1948), de Agnes de Mille, e
"Theme and Variations" (1947), de George Balanchine.
Para aquele balé diabolicamente difícil, no qual Igor Youskevitch foi seu parceiro, Balanchine tirou proveito da destreza
técnica de Alonso, desafiando cada movimento seu. "Eu me lembro que o sr. B olhou para mim", contou ela, imitando o jeito
como ele fungava, "e disse: 'Você consegue fazer esse passo?'. Eu digo: 'Vou tentar, sr. Balanchine'. Bum."
Ele então lhe pediu para tentar um "entrechat-six", um salto vertical com um rápido cruzar de pernas. "Está com medo?",
rememorou ela, fungando outra vez para imitar Balanchine. "Não, não, vou tentar, sr. Balanchine", respondeu a bailarina.
Ao longo dos anos, apesar da piora na visão, Alonso continuou dançando. Enquanto outros saíam correndo do palco, ela o
abandonava lentamente para não despencar. "Eles colocavam luzes fortíssimas para que eu pudesse ver onde era o centro", disse
ela, que se lembra de ouvir o seguinte de seu parceiro Anton Dolin: "Está tudo bem, querida. Parece muito bem. Você sai
flutuando".
Alonso parece ter uma compreensão seletiva do inglês, dependendo da pergunta. Foram necessárias três tentativas, por exemplo,
para descobrir se ela está preparando um sucessor para a sua companhia. Sentindo que um "não entendo" não iria salvá-la,
finalmente soltou: "Não, acho que estão todos bem por conta própria". "São gente muito capaz, tenho certeza. Tomara."
Quanto ao seu legado, ela disse: "Não quero ser lembrada; só não quero ser esquecida".
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