São Paulo, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

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INTELIGÊNCIA / ROGER COHEN

Ilusões do Oriente Médio

TEERÃ, IRÃ

Houve balões coloridos na comemoração do 30? aniversário da Revolução Islâmica iraniana. Após duas semanas em Teerã, eu já me acostumara às multidões de mulheres envoltas em "hijabs" negros, aos automóveis cinzas, à sobriedade toda com a qual apenas os picos nevados dos montes Alborz formam um contraste.
A revolução libertou os iranianos da brutalidade da polícia secreta do xá, a Savak, e trouxe uma sociedade própria do país para tomar o lugar da sociedade que se curvava aos caprichos dos EUA. Mas, como todas as revoluções, ela decepcionou. A liberdade vem diminuindo e aumentando ciclicamente desde 1979, -com mais frequência, diminuindo. Por baixo do "hijab" -ou seja, sob a superfície-, frustrações se multiplicam. As mulheres às vezes levam as mãos ao pescoço para exprimir um sentimento de sufocação.
Apesar disso, a revolução sobreviveu. Essa tentativa, estranha no século 21, de regulamentar uma sociedade por meio da aplicação literal dos preceitos do islã, vem se mostrando mais resistente do que parecia possível. Uma alquimia que funde elementos de ditadura e de democracia vem se mostrando suficientemente flexível -e implacável- para acomodar o desenvolvimento do Irã, mas a um custo.
A mensagem de um Irã islâmico reverberou pelo mundo muçulmano, especialmente no Oriente Médio, onde a luta entre árabes e israelenses se ampliou, convertendo-se numa luta mais refratária entre islã e sionismo.
O Irã acaba de lançar um satélite no espaço. O país vem dominando o ciclo do combustível nuclear, para consternação do Ocidente. Ninguém prevê que o edifício da revolução caia por terra no futuro próximo -com certeza não antes de o conflito em torno do objetivo real desse programa nuclear chegar ou a uma crise militar ou a uma resolução diplomática.
As revoluções são passado -pelo menos para os jovens iranianos conectados à internet, aos blogs e aos celulares. Ninguém se dispõe a erguer-se em revolta. A tecnologia moderna garante uma rede de segurança aos governos repressores: os ressentimentos raramente explodem, porque as pessoas se sentem conectadas o suficiente para acalmar a adrenalina rebelde.
É hora de os EUA e o Ocidente encararem essas realidades. Quando se trata do Oriente Médio, às vezes tenho a impressão de que a chamada "política da Zona Verde" contaminou os corredores do poder ocidental. A Zona Verde de Bagdá é a fortaleza murada de uma sociedade imaginária que os EUA criaram no Iraque, enquanto do lado de fora dela reina o caos sangrento.
De forma semelhante, os EUA tentaram reduzir o Irã, uma sociedade sofisticada, a refúgio -integrante do "eixo do mal"- de um bando de malucos determinados a atirar uma bomba atômica sobre Israel.
Só quando o Ocidente voltar a tratar com o Oriente Médio como ele é, e não como sonha que pode ser, a redução de tensões se tornará possível. Isso também envolverá a coragem de enxergar Israel pelo que é: uma nação que recorre com frequência demais à força militar, como em Gaza, numa tentativa inútil de dobrar o Oriente Médio a sua vontade.
Perguntei a Hussein Shariatmadari, editor do jornal pró-governo "Kayhan", se o Irã tem vínculos com organizações terroristas. "Se tivéssemos vínculos com os EUA", ele retrucou, "poderíamos afirmar que estamos ligados à maior organização terrorista do mundo".
É bravata, eu sei, mas, depois da era Bush, é uma bravata comum no Oriente Médio. É hora de encararmos a realidade. O Ocidente vem correndo atrás de balões coloridos de ilusão nesta região. Eles não levarão a lugar algum.


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