São Paulo, segunda-feira, 16 de agosto de 2010

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Como ser feliz com menos

Hábitos de consumo pós-crise mostram caminhos para maior satisfação




Por STEPHANIE ROSENBLOOM

Primeiro, houve um período de separação, em que pilhas de agasalhos, sapatos, livros, potes, panelas e até a televisão foram relegados a um armário, antes de serem doados definitivamente. Depois, Tammy Strobel e seu marido, Logan Smith, ambos de 31 anos, se livraram também de seus carros.

A mãe dela a chamou de louca.
Três anos depois, o casal vive num apartamento com quarto e sala conjugados, com uma cozinha de bom tamanho, em Portland, Oregon. Sobra dinheiro para eles viajarem e contribuírem com a educação dos sobrinhos. E, como todas as dívidas foram quitadas, Strobel trabalha menos, dedicando seu tempo para ficar ao ar livre e fazer um trabalho voluntário durante cerca de quatro horas semanais, num programa de inclusão chamado Living Yoga.
"A ideia de que você precisa ficar maior para ser feliz é falsa", diz ela. "Realmente acredito que a aquisição de bens materiais não traz felicidade."
Strobel e seu marido mudaram seus hábitos de consumo antes da recessão nos EUA, mas legiões de outros norte-americanos depois disso tiveram de se adaptar a viver de um jeito que, afinal, lhes deixou mais felizes.
Novos estudos sobre consumo e felicidade mostram, por exemplo, que as pessoas ficam mais felizes quando gastam seu dinheiro em experiências em vez de objetos materiais, quando saboreiam o que pretendem adquirir muito antes de fazê-lo, e quando param de tentar competir com seus vizinhos.
Embora a atual fase de aperto possa ser apenas uma resposta à crise econômica, alguns analistas dizem que os consumidores podem também estar ajustando permanentemente seus gastos, levando em conta aquilo que descobriram a respeito de o que lhes torna realmente felizes e realizados.
"Isso, na verdade, é um tópico que não foi muito pesquisado até recentemente", diz Elizabeth Dunn, do Departamento de Psicologia da Universidade da Colúmbia Britânica, que está na linha de frente dos estudos sobre consumo e felicidade. "Há uma enorme literatura sobre renda e felicidade. É incrível como há pouco sobre como você gasta o seu dinheiro."
Estudos nas últimas décadas demonstraram que o dinheiro, até certo ponto, traz felicidade, enquanto preenche necessidades básicas. As novas pesquisas são sobre a, digamos, eficiência emocional: como obter mais felicidade por cada nota gasta.

Férias em vez de sofá
Uma importante conclusão é que o gasto com experiências -shows, cursos de francês, aulas de sushi, um quarto de hotel em Mônaco- produz uma satisfação mais duradoura do que comprar coisas.
"É melhor sair de férias do que comprar um sofá novo, essa é basicamente a ideia", diz Dunn. Jennifer Black, presidente da empresa de pesquisas de varejo Jennifer Black & Associates, disse que "as pessoas estão percebendo que não precisam do que têm; elas estão mais interessadas em criar lembranças".
É improvável que a maioria dos consumidores corte tanto quanto Strobel. Mas muitos têm ficado agradavelmente surpresos com os prazeres de viver com um pouco mais de simplicidade.
Em um relatório de junho, o Boston Consulting Group disse que o medo diante da recessão gerou nos EUA um "movimento de volta ao básico", no qual coisas como lar e família cresceram em importância nos últimos dois anos, enquanto itens como luxo e status declinaram.
"Há um renascimento emocional ligado à aquisição de coisas, que realmente veio à tona com esta recessão", disse Wendy Liebmann, executiva-chefe da WSL Strategic Retail, consultoria de marketing que atende indústria e varejo. "Ouvimos as pessoas falarem do desejo de não perder isso -essa conexão, o momento, a família, a experiência."
Ao contrário do consumo de bens materiais, os gastos com lazer e serviços em geral fortalecem os vínculos sociais, o que por sua vez contribui com a felicidade, sugerem as pesquisas.

"Adaptação hedonista"
Experiências também trazem uma felicidade mais duradoura, segundo os pesquisadores, porque podemos recordá-las. Isso vale até para as experiências mais medíocres.
Aquela viagem a Roma em que você pegou filas intermináveis, quebrou sua câmera e brigou com o cônjuge acabará tingida de "reminiscências róseas", diz Sonja Lyubomirsky, professora de psicologia da Universidade da Califórnia, em Riverside. "As viagens não são todas perfeitas, mas podemos nos lembrar delas como perfeitas."
E as experiências não podem ser todas absorvidas de uma vez -adaptar-se e se envolver com elas demora mais do que simplesmente vestir uma nova jaqueta de couro ou ligar a TV de tela plana.
"Compramos uma casa nova e nos acostumamos a ela", disse Lyubomirsky, que estuda aquilo que psicólogos chamam de "adaptação hedonista", um fenômeno em que as pessoas rapidamente se acostumam a mudanças, ótimas ou terríveis, a fim de manter um nível estável de felicidade.
Com o tempo, o frenesi da nova aquisição é empurrado para a normalidade emocional. "Paramos de ter prazer [com a novidade]", diz ela. E aí, é claro, compramos mais coisas. Os acadêmicos já descobriram que um antídoto dos consumidores contra a adaptação hedonista é comprar vários pequenos prazeres em vez de um grande.
Em vez de um Jaguar novo, aconselha Lyubomirsky, compre uma massagem semanal, tenha sempre flores em casa e ligue para os amigos na Europa. Em vez de férias de duas semanas, tire vários fins de semana de três dias.
"Nós nos adaptamos às pequenas coisas", diz ela, "mas, por serem tantas, vai demorar mais".

A alegria da espera
Antes que os cartões de crédito e celulares permitissem que os consumidores tivessem praticamente qualquer coisa a qualquer momento, a experiência de comprar era mais rica, diz Liebmann. "Você economizou para isso, você esperou", diz ela.
Em outras palavras, esperar algo e se empenhar para conseguir torna a coisa mais valiosa e estimulante.
Antigamente, com raízes que remontam às feiras medievais, as lojas propiciavam uma conexão social, como citaram Liebmann e outros. Mas, na última década, o varejo se tornou uma só coisa: a aquisição desenfreada, simbolizada pelas grandes lojas de descontos e pelas transações on-line, que não exigem interação social alguma.
A recessão, porém, pode obrigar o varejo a se reencontrar com as raízes históricas do comércio.
"Acho que há uma oportunidade real no varejo para conseguir romancear a experiência outra vez", diz Liebmann. "Os varejistas vão ter de trabalhar muito para criar essa sensação emocional outra vez. E pode não ser só 'Eis outra coisa para comprar'. É preciso que tenha um verdadeiro sentido de experiência."
Profissionais do setor dizem que pouquíssimos no varejo têm conseguido fazer isso bem hoje em dia, com uma notável exceção: a Apple, que oferece uma experiência de consumo interativa, o que inclui aulas.
Marie Driscoll, diretora do grupo de varejo do Standard & Poor's, diz que as redes têm de oferecer melhores serviços, eventos especiais e até acesso aos designers para se adaptar às novas preferências do consumidor.

Superioridade consumista
Há quatro anos, o cineasta Roko Belic viaja o mundo fazendo um documentário chamado "Happy" ("feliz"). Desde então, se mudou da sua casa, num subúrbio de San Francisco, para uma praia em Malibu, para poder surfar.
"Eu me mudei para um acampamento de trailers", disse Belic, "que é a primeira comunidade real na qual eu vivi na minha vida".
Atualmente ele surfa três ou quatro vezes por semana. "Isso definitivamente me deixa mais feliz. As coisas que somos treinados a pensar que nos deixam felizes -como ter um carro novo a cada dois anos e comprar as últimas modas- não nos deixam felizes."
Segundo Belic, seu documentário mostra que "o único traço comum entre todas as pessoas felizes são as relações fortes".
Comprar produtos de luxo, por outro lado, tende a ser um infinito ciclo de reafirmação da própria superioridade. Um estudo publicado em junho na "Psychological Science" concluiu que a riqueza interferia na capacidade das pessoas de saborear experiências positivas. É claro que alguns amantes da moda hão de discordar. Para certo segmento da população, roupas são uma forma de arte, um meio de expressão.
Hayley Corwick, autora do popular blog de moda Madison Avenue Spy, diz: "Tem dias que você quer uma viagem; tem dias que você quer uma bolsa Tom Ford". Tammy Strobel agora escreve sobre suas escolhas mais modestas no site rowdykittens.com.
"Meu estilo de vida atual não seria possível se eu ainda tivesse um enorme apartamento de dois dormitórios, abarrotado de coisas, dois carros e US$ 30 mil em dívidas", diz ela. "Dê parte das suas coisas. Veja como é bom."


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