São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2008

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Geração O

Eles têm grandes expectativas. Abandonaram a ironia. Votaram em massa por Obama. É inevitável que se decepcionem


Por DAMIEN CAVE

Os eleitores jovens que impeliram Barack Obama à vitória nas últimas eleições podem ficar conhecidos para sempre como a Geração O. Eles foram a força por trás do amplo alcance do candidato, abrindo centenas de escritórios da campanha em pontos distantes dos EUA, registrando eleitores e convencendo parentes mais velhos a apostar num homem cujo nome do meio é Hussein.
Mais jovens de 18 a 29 anos foram às urnas este ano do que em qualquer eleição desde 1972 —entre 21,6 milhões e 23,9 milhões, contra cerca de 19,4 milhões em 2004, segundo estimativas do Centro de Informações e Pesquisas de Aprendizado e Engajamento Cívico. E, pelas pesquisas de boca de urna, 66% desses jovens votaram em Obama.
Muitos deles enxergaram em Obama os valores que sociólogos e críticos culturais atribuem a eles próprios. Esses jovens acreditam que, sob a égide do presidente eleito, o governo valorizará a transparência. O trabalho de equipe estará na moda, ao lado de uma meritocracia intransigente.
Com duas guerras e uma crise financeira, é possível que essa geração não demore a descobrir os limites de seu foco orientado ao consenso e de sua fé inabalável nas redes e na comunicação. E, com o foco de Obama sobre a mobilização de partidários mais jovens por meio da internet, ele pode desagradar aos americanos mais velhos.
Ao longo da campanha, Obama criou uma imagem de abertura com seus partidários, por meio de um fluxo regular de e-mails e posts no Facebook. Seus partidários sabem, evidentemente, que as mensagens de texto assinadas por “Barack” eram obra de um assessor de campanha do então candidato. Mas, “você tem a sensação de que está ficando amigo dele, de uma maneira casual”, disse Reid Johnson, 31, voluntário da campanha de Obama em Wilson, Carolina do Norte. “Acho que todo o mundo se sentiu em parte dono da campanha, porque você sente que sabe quem é Obama.”
Só um presidente eleito que curte hip-hop, joga basquete e é birracial enviaria a seus partidários na noite da eleição um e-mail dizendo: “Estou prestes a ir a Grant Park para falar com todo o mundo que está reunido lá, mas queria escrever a vocês primeiro”.
Ele assinou a mensagem com um simples “Barack”. Afinal, eles eram íntimos. Ele e seus maiores fãs, a geração de jovens adultos que votara nele em números recordes, haviam trabalhado duro em 21 meses de campanha. E, em seu momento de triunfo, Obama dividiu com eles a vitória. “Tudo isto aconteceu por causa de vocês”, dizia o e-mail. “Nós acabamos de fazer história.”
Esse simples “nós” em milhões de caixas de entrada de e-mail parece ter assinalado o início da era do pós-baby-boomer. Pelo menos na noite da eleição, as intermináveis batalhas “nós versus eles” dos anos 1960, em torno do Vietnã, do aborto, da raça e do gênero, pareciam tão superadas quanto os interurbanos feitos com ajuda de telefonista.
É possível, contudo, que o sucesso avassalador de Obama desencadeie problemas. “O risco é que eles votam pela primeira vez e têm essa incrível vitória improvável, e que então pensem ‘uau, isto é fácil’”, comentou o escritor Kurt Andersen. Inevitavelmente, disse ele, “amadurecer envolve decepções —e esse será o próximo passo natural”.
Ronald Alsop, autor de “The Trophy Kids Grow Up: How the Millenial Generation is Shaking Up the Workplace” (Os garotos-troféus viram adultos —como a geração do milênio está dinamizando o local de trabalho), disse que, pelo fato de os americanos jovens de hoje terem sido treinados a confiar em equipes e sistemas , eles freqüentemente têm dificuldade em aceitar quando as coisas não saem como planejaram.
Agrava o problema o fato de que, por todas suas vidas, eles ouviram que estão destinados a fazer coisas grandiosas. Eles já viram jovens de 25 anos virar milionários da noite para o dia com empresas como a Google, e, depois de ajudar Obama a vencer, a dúvida é se vão se contentar com um papel que não seja central. “Eles estão acostumados a receber muitas recompensas”, disse Alsop. “Então, se forem colocados em alguma posição inferior num ambiente político ou de empresa, não ficarão satisfeitos.”
Na página de Obama no Facebook já há partidárias como Viki, que escreveu: “Por favor, mantenha este diálogo. Estamos aqui para apoiá-lo, e, agora que venceu, estou ansiosa para ver se vai manter sua relação com as pessoas ou se vai nos abandonar.”
Como se respondesse ao pedido, Obama lançou um novo site, Change.gov, que é, sob muitos aspectos, uma extensão da campanha: casual, cool e interativo. “Compartilhe sua história e suas idéias e participe do processo de trazer mudanças positivas e duradouras para este país”, diz o site.
Mas, se essas são as características dos jovens, será que não podem ter o efeito de distanciar os americanos mais velhos?
É provável que muitos baby-boomers não se sintam cômodos com o domínio que esta geração tem da tecnologia e a facilidade com que ela encara identidades indefinidas e etnicidades miscigenadas. Peter Wolson, ex-diretor da Sociedade de Estudos Psicanalíticos, disse que os anos 1960 ajudaram a infundir nos baby-boomers uma desconfiança do “outro”. O mundo deles era dividido: partidários da guerra versus pacifistas, capitalistas versus comunistas. “Há um medo da intimidade e da fusão, pela idéia de que você será dominado pelo outro”, explicou. Para outros, a transição de gerações pode trazer alívio, indicando que o país pode estar superando conflitos antigos e enraizados.
O rapper Chuck D., 48 anos, ex-líder da banda Public Enemy, ficou espantado com a facilidade com que sua filha de 20 anos e os amigos dela discutiram política este ano. Enquanto ele passou sua juventude gritando “Lute contra o poder”, sua filha apaixonou-se por um candidato, votou pela primeira vez e recebeu exatamente o que queria. Chuck D. não poderia estar mais satisfeito. “Ela não carrega o peso da história”, disse, falando de sua filha. “Está livre para tomar uma decisão saudável para o futuro.”

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