São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2008

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Uma sobrevivente da guerra do tráfico mexicano

Por MARC LACEY

MONTERREY, México - Sentar-se com Silvia Raquenel Villanueva pode ser uma experiência que testa os nervos, e não apenas por ela ser uma advogada de língua afiada que, quando provocada, solta palavrões livremente. Há também a questão delicada das pessoas que querem vê-la morta.
Raquenel já sobreviveu a quatro tentativas de assassinato. Explosivos foram atirados. Ela foi alvo de saraivadas de disparos de armas automáticas. Já foi atingida na cabeça, nas nádegas, no pulmão e no estômago e, milagrosamente, sempre conseguiu se recuperar.
Ela anda com guarda-costas, e as janelas de seu escritório são de vidro blindado. Mesmo assim, a mais conhecida “narco abogada”, ou advogada de traficantes, do México continua a receber ameaças de morte, das quais se defende com orações, uma vela acesa em seu escritório, dezenas de crucifixos e de imagens de Jesus. “Posso presumir que Deus quer que eu continue a trabalhar naquilo que sempre fiz”, disse ela.
“Sou advogada de pessoas que realmente precisam de um advogado.”
Raquenel admite que, em função dos atentados, atualmente é um pouco mais cautelosa ao escolher quem vai representar. Apesar disso, seu distanciamento do perigo não é o suficiente para tranqüilizar sua família. “Meu pai diz: ‘Você é tão cabeça dura. Foi por isso que lhe deram um tiro na cabeça e você sobreviveu’.”
Ela é capaz de dar as datas exatas dos atentados que sofreu. Um deles aconteceu em 13 de maio de 1998, quando uma bomba explodiu na porta de seu escritório. Em 23 de março de 2000, ela foi baleada ao entrar num hotel na Cidade do México com seu cliente, um comandante da polícia acusado de colaborar com traficantes. Em 31 de agosto do mesmo ano, um homem invadiu seu escritório e disparou oito tiros em sua direção, e, em 13 de novembro de 2001, alguém disparou contra ela na entrada do tribunal de Monterrey.
“Em meu lugar, algumas pessoas teriam deixado o país”, disse a advogada. “Mas eu não. Deus me colocou no olho do furacão. As pessoas que defendo podem ser as piores das piores ou podem ser inocentes.”
Raquenel parece não se importar com quais dos cartéis de drogas concorrentes empregam seus clientes. Ela representou o policial federal Carlos Resendez Bertolucci, acusado de colaborar com o cartel do Golfo.
Já representou suspeitos ligados ao cartel de Sinaloa e ao Zetas, um grupo de militares desertores acusado de instigar boa parte da violência atual ligada às drogas no México.
O que enfurece a advogada, muito mais que um criminoso, é um funcionário do governo que lucre com o crime. Os chefões realmente grandes do tráfico não precisam de seus serviços, argumenta, já que eles têm políticos, promotores e policiais em sua folha de serviço.
O fato de ser um alvo contínuo não abala seus nervos. Raquenel é fatalista ao refletir sobre quando e onde será seu fim e promete continuar a defender agressivamente qualquer cliente que quiser.
No entanto, como mãe solteira, fica claro que a perturba a possibilidade de sua filha adolescente tornar-se órfã algum dia. É isso, afirma, que a levou a rejeitar clientes que, de outro modo, poderia ter representado.
Sua lista de clientes inclui traficantes, policiais corruptos e outros criminosos —ou suspeitos, pois Raquenel já conseguiu livrar muitos deles da prisão, apontando para falhas processuais, ou, como prefere chamá-las, provas forjadas.
Ela reage com pouco caso igual às acusações que lhe foram feitas em 2006 e que a levaram a passar três meses detida. No caso em pauta, ela foi acusada, mas não condenada, de envolvimento no seqüestro e morte de um policial.
Embora admita já ter recebido de clientes valores contabilizados em seis algarismos, ela diz que não tem contas bancárias ocultas e que não vive com muito mais conforto do que quando era uma dos seis filhos de uma família de classe trabalhadora.
Raquenel tem 50 e poucos anos e admite que já cometeu alguns erros ao longo dos anos. “Sou apenas humana”, reconheceu, sem entretanto dar maiores detalhes. Falando extra-oficialmente, autoridades dizem que ela já recebeu valores altos em dinheiro sujo.
Mas Raquenel tem seus admiradores. Pelo menos seis bandas já compuseram canções sobre ela, com títulos como “Advogada à Prova de Balas”.
Cada um dos crucifixos pregados à parede na entrada de seu escritório representa um cliente que ela conseguiu tirar da cadeia, disse a advogada. Há dezenas deles, tantos que é impossível contá-los na saída, com a porta aberta, nenhum guarda-costas à vista e a possibilidade de que alguém que guarda rancor dela esteja escondido nas proximidades.


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