São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Por CARLOTTA GALL

REPRESA DE KAJAKI, Afeganistão - Cinco contêineres marcados com a bandeira afegã, alguns ainda embrulhados em plástico, estão parados no canteiro de construção da barragem de Kajaki, a maior obra hidrelétrica do Afeganistão.
Dentro deles está o maior presente isolado dos últimos sete anos feito pelo governo dos EUA ao Afeganistão: as peças maciças de uma nova turbina hidrelétrica de 181 toneladas que, quando instalada, dobrará o fornecimento de eletricidade ao sul afegão.
A intenção é que o projeto de US$ 180 milhões, que inclui subestações e linhas de distribuição, leve energia a 1,8 milhão de pessoas, garantindo empregos e renovação econômica à região mais violenta e problemática do país.
O governador da província de Helmand, Gulab Mangal, fez uma rápida visita de helicóptero à obra, em outubro. Disse aos jornalistas que, mesmo que os benefícios imediatos não sejam aparentes, as gerações futuras os apreciarão.
A turbina, de fabricação chinesa, ainda está encaixotada. Será preciso esperar cerca de um ano para que seja instalada e entre em operação. Mas sua chegada a este campo isolado, no meio do território dominado pelo Taleban, talvez tenha sido uma das maiores façanhas realizadas este ano pelas forças da Otan (aliança militar ocidental) no sul do Afeganistão.
Foi um caso raro de promessa cumprida no esforço de reforçar a infra-estrutura afegã. Mas as obras na barragem, situada numa área inacessível no norte da Província de Helmand, ainda são reféns da capacidade do Taleban de montar ofensivas, que cresceu nos últimos anos. O projeto energético vem sofrendo atrasos repetidos devido às dificuldades de segurança e logísticas. E o restante do projeto original de US$ 500 milhões para aumentar a capacidade da própria barragem não foi aprovado, posto em dúvida pelos avanços do Taleban.
Este ano tem sido o mais mortífero para as forças ocidentais no Afeganistão desde a invasão de 2001. Os insurgentes do Taleban vêm atacando com persistência, especialmente com emboscadas e bombas plantadas em estradas. A ofensiva limita gravemente os esforços da Otan e do governo para ampliar seu controle das cidades para a zona rural.
À medida que os combates foram se arrastando, ao longo do verão no hemisfério norte, ficou claro que os 19 mil soldados estrangeiros em ação nas Províncias do sul, ao lado de outros milhares de soldados e policiais afegãos, enfrentam um impasse em sua luta contra os insurgentes, nas palavras de um alto comandante da Otan. Parecia que o projeto da Usaid de desenvolver a barragem de Kajaki seria adiado por mais um ano.
Até que, no final de agosto, a Otan intensificou sua ação. Mais de 4.000 soldados britânicos, americanos, canadenses, dinamarqueses, australianos e afegãos juntaram forças para abrir e proteger uma estrada atravessando 160 quilômetros de território hostil, para transportar os equipamentos e as peças da turbina, pesados demais para ser levados até Kajaki de avião.
O comboio de carga, que incluiu cem veículos e transportou a turbina em sete contêineres de até 27 toneladas cada, levou cinco dias para atravessar as montanhas em meio a um blecaute total de divulgação da notícia. Combates pesados —incluindo bombardeios aéreos— estavam ocorrendo em povoados ao sul da barragem, mas o comboio seguiu uma rota diferente e chegou a Kajaki no início de setembro, sem sofrer danos.
A gigantesca operação foi criticada pela mídia britânica, que questionou a exposição de soldados britânicos a riscos tão grandes para salvar um projeto assistencial do governo americano.
Mas para os afegãos empregados aqui e para os moradores frustrados de cidades como Candahar, que nos últimos sete anos vêm recebendo poucas horas de eletricidade por dia, a Otan estava cumprindo com atraso o compromisso assumido de levar desenvolvimento ao sul do país.
“É um processo lento”, disse Sayed Rasoul, 52 anos, que trabalha na usina de Kajaki há 28 anos e hoje é seu engenheiro-chefe. “Temos tido dificuldades com o transporte.”
Tudo o que os operários e soldados precisam vem em helicópteros que sobrevoam as montanhas áridas, passam sobre o reservatório e aterrissam no campo, para evitar o fogo inimigo. Um fato extraordinário é que os trabalhadores afegãos puderam manter a usina funcionando nos últimos 30 anos de guerras e turbulência. Mesmo agora, eles negociam com o Taleban para poderem se deslocar de seus povoados para trabalhar na usina.
Vestindo calça de brim azul gasta, com capacete na cabeça e prancheta nas mãos, Rasoul comanda 43 operários, em sua maioria homens mais velhos, de barbas brancas, que trabalham na barragem desde sua construção, em 1975.
O Taleban domina a área ao redor da barragem e cobra a população pela energia, contaram trabalhadores.
“Não temos problemas com ninguém”, disse Rasoul. “Dizemos a eles que estamos trabalhando e produzindo eletricidade para todos, nos povoados e nas cidades.”
O trabalho dos próximos meses inclui o reparo de uma das turbinas existentes, uma Westinghouse de fabricação americana, e a instalação da nova turbina chinesa. Mas os operários também precisam fazer levantamentos topográficos e instalar novas linhas de transmissão até Candahar, passando por quilômetros de território controlado pelo Taleban.
O governador Mangal disse confiar que isso poderá ser feito, com a ajuda de um misto de força e persuasão.
“Primeiro vamos ampliar a segurança, com o apoio dos soldados de nossas forças nacionais”, disse. “Mas, em segundo lugar, tentaremos conquistar os corações e mentes das pessoas e explicar-lhes a importância desta usina elétrica.”

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