São Paulo, segunda-feira, 18 de abril de 2011

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Gravado no barro, vestígio de um Estado

Por JOHN NOBLE WILFORD

Um fragmento de tablete de barro contendo uma escrita arcaica, dos primórdios da formação do Estado na Grécia, deve lançar luz sobre a estrutura política e as práticas burocráticas no começo do famoso período micênico.
A peça parece ser uma "página" do caderno de um contabilista. Como não era para ser permanente, não foi assada num forno, mas acabou num lixão onde um incêndio endureceu o barro para a posteridade. É um dos mais antigos exemplos da escrita na Europa continental.
No seu apogeu, o período micênico, de 1600 a 1100 a.C., permitiu o esplendor dos palácios de Micenas e Pilos e inspirou a heroica lenda da Guerra de Tróia, imortalizada na "Ilíada", de Homero.
"Este é um raro caso em que a arqueologia encontra textos antigos e mitos gregos", disse Michael Cosmopoulos, chefe das escavações, ao anunciar a descoberta no mês passado.
Cosmopoulos, arqueólogo e professor de estudos gregos na Universidade de Missouri, em St. Louis, disse que o tablete, de apenas 5 cm por 7,6 cm, foi descoberto em meados do ano passado num olival do sudoeste da Grécia. A tabuleta data de algum momento entre 1490 e 1390 a.C. -até então, não havia indícios de que a escrita em argila já fosse usada para manter registros públicos nessa época do micênico.
A civilização minoica, em Creta, já mantinha registros em 1800 a.C.. A mais antiga escrita conhecida surgiu por volta de 3200 a.C. na cidade suméria de Uruk, na Mesopotâmia. A escrita egípcia apareceu mais ou menos na mesma época.
A equipe de Missouri passou 11 anos pesquisando o local, perto de Iklaina, incluindo evidências nas pedras do que pode ter sido um palácio numa capital distrital.
Escavações anteriores haviam revelado tabletes de escrita em argila datados de cerca de 1200 a.C. em diante, perto da época estimada da Guerra de Tróia. Cosmopoulos disse que as novas descobertas parecem mostrar que, cerca de 200 anos antes, essa teria sido a sede de um governo autônomo, com algum tipo de escrita e organização política.
De um lado, o tablete contém um verbo que significa "preparar para a fabricação". Existem outros caracteres, mas insuficientes para distinguir as palavras. O verso do tablete lista nomes de homens junto com números. Cynthia Shelmerdine, da Universidade do Texas, em Austin, foi a primeira a decifrar a escrita e avaliar a sua importância.
"Um tablete como este significa que o governo tinha escribas, e os escribas são um produto da burocracia", disse Cosmopoulos. "E isso sugere grau de complexidade política e crescente necessidade de controlar mercadorias, bens e impostos, tudo isso antes do que pensávamos."
A descoberta indica que os Estados políticos na Grécia antiga surgiram pelo menos um século e meio antes do que havia sido documentado.
Cosmopoulos sugeriu que o palácio de Iklaina pode ter sido um centro administrativo distrital, submetido a uma capital principal -"um governo com dois níveis, espécie de sistema semifederal", descreveu ele.
Donald Haggis, arqueólogo e professor de estudos clássicos na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, que não participou da equipe, disse que o tablete "nos conta que este lugar tinha uma função administrativa em estágio inicial", e que a arquitetura do palácio "parece um lugar para refeições rituais e comunitárias e produção de artesanato".


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