São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 2011

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Bonança chinesa perto do fim

SHIHO FUKADA PARA THE NEW YORK TIMES
Wuhan está usando um financiamento complexo para concretizar plano de US$ 120 bilhões que inclui terminais de aeroportos, metrô e edifício comercial

Por DAVID BARBOZA
Wuhan, China
Um frenesi de construção cobre a nona maior cidade da China com uma nuvem contínua de poeira, mesmo que os caminhões joguem água sobre as ruas.
Mais de 5.700 obras estão em construção, entre elas um novo metrô, dois novos terminais de aeroporto, um novo distrito financeiro, um distrito cultural e um calçadão de frente para o rio, no qual está sendo erguido um edifício cuja altura é 50% maior que a do Empire State Building.
Mas o plano mestre municipal de Wuhan, orçado em US$ 120 bilhões, não é incomum em sua extravagância. Nos últimos anos, dezenas de outras cidades chinesas que se apressam para concluir projetos igualmente ambiciosos vêm ajudando os gastos infraestruturais e imobiliários do governo a ultrapassar o comércio exterior como maiores contribuidores para o crescimento da China.
Contudo, há sinais de que o boom econômico chinês, em curso há anos, pode ser enfraquecido por essas orgias de construção, que são financiadas pela contração de empréstimos altos por parte de governos locais e de contabilidade engenhosa que mascara as dimensões reais da dívida.
O perigo, dizem especialistas, é que os governos municipais da China talvez já estejam sentados sobre montanhas enormes de dívida oculta -algo que ameaça atrofiar o crescimento econômico do país por anos ou até mesmo por décadas no futuro. Em junho, o auditor nacional da China, que se reporta ao gabinete, avisou sobre os perigos da contração de empréstimos por governos locais. E, alguns dias mais tarde, o escritório em Pequim do Serviço Moody's para Investidores divulgou um relatório dizendo que o auditor nacional pode ter subestimado os riscos reais incorridos por bancos chineses devido aos empréstimos feitos a governos locais. Pelo fato de o crescimento chinês ter sido um dos poucos motores constantes da economia global nos últimos anos, qualquer desaceleração importante nesse país teria repercussões internacionais.
Enquanto as obras municipais vão sendo erguidas, os gastos com os investimentos em ativos fixos -medida crucial da construção fortemente enviesada em direção aos projetos governamentais e imobiliários- equivale a quase 70% do PIB. É uma proporção da qual nenhum outro país grande já se aproximou. Mesmo o Japão, na década de 1980, chegou a apenas 35%.
"Se a China é boa em alguma coisa, é na infraestrutura", disse Pieter P. Bottelier, sinólogo da Escola Johns Hopkins de Estudos Internacionais Avançados, em Washington. "Neste momento, porém, parece que o índice de investimento está alto demais. Ninguém sabe a parcela disso que é formada por empréstimos que, no futuro, não serão saldados."
O capitalismo de Estado da China é muito mais confuso, e a economia chinesa é muito mais vulnerável, do que pode parecer ao mundo externo. No caso de Wuhan, um olhar sobre suas finanças revela que a cidade emprestou dezenas de bilhões de dólares de bancos estatais. Mas os empréstimos são contraídos fora da contabilidade da prefeitura por corporações especiais de investimento.
O sistema não é desconhecido de Pequim, que afirma que existem no país mais de 10 mil dessas entidades financiadoras de governos locais.
Mas é um jogo de risco. Um relatório do banco de investimentos UBS previu que as corporações de investimento em governos locais podem gerar até US$ 460 bilhões em calotes nos próximos anos.
Muitos analistas não enxergam razões para temer um colapso econômico. Pequim possui um baú de US$ 3 trilhões em reservas em divisas, e os bancos estatais chineses comandam volumes enormes de poupanças familiares de 1,3 bilhão de cidadãos.
Mas, se em lugar de investir no crescimento, a China for obrigada a começar a gastar dinheiro para blindar os bancos contra calotes municipais, especialistas preveem a possibilidade de o país mergulhar em um período de estagnação semelhante ao que ocorreu no Japão.
Pelas estimativas de Pequim, a dívida total dos governos municipais chegou a US$ 2,2 trilhões no ano passado -um terço do PIB nacional. Uma onda de calotes municipais poderia vir a representar um ônus enorme para o governo central, que tem uma dívida própria de cerca de US$ 2 trilhões. E a estimativa feita por Pequim do valor devido pelos municípios pode ser baixa demais, na visão de Victor Shih, professor de economia política da Universidade Northwestern, em Evanston, Illinois. Ele diz que a dívida municipal na China talvez esteja mais próxima dos US$ 3 trilhões. "A maioria dos organismos governamentais que contrai empréstimos nem sequer consegue pagar os juros sobre essas dívidas", disse Shih.
Neste ano, confiando em grande medida em empréstimos bancários, Wuhan pretende gastar cerca de US$ 22 bilhões com projetos infraestruturais, um montante cinco vezes maior que sua receita tributária do ano passado. E, a despeito de suas aspirações, Wuhan ainda é relativamente pobre. Os moradores da cidade ganham cerca de US$ 3.000 por ano, apenas dois terços do que ganham os de Xangai.
Pequim ajudou a intensificar o boom da construção municipal no início de 2009. E agora, por mais que tente, ela parece ser incapaz de frear a corrida para os empréstimos e a construção.
Wuhan está começando a mostrar sinais de desgaste financeiro. De acordo com a empresa de pesquisas Real Capital Analytics, de Nova York, apesar de ter vendido terrenos no valor aproximado de US$ 25 bilhões nos últimos cinco anos, a cidade ainda está tendo dificuldade em pagar suas obras.
Em relatório deste ano, o banco de investimentos Credit Suisse identificou Wuhan como uma das "dez cidades a evitar" na China, dizendo que o estoque habitacional já está tão grande que serão precisos oito anos para vender as moradias já prontas. Mas as críticas não desanimam Ruan Chengfa, 54, secretário local do Partido Comunista em Wuhan. "Se não acelerarmos a construção, os problemas de Wuhan não serão resolvidos."
Kenneth S. Rogoff, professor de economia em Harvard, prevê que, dentro de uma década, a bolha imobiliária e as dívidas da China poderão causar uma recessão e sufocar o crescimento no resto do mundo. "Os economistas dizem que os chineses possuem reservas enormes, que têm economias, que são um povo trabalhador", disse Rogoff. "Isso é ingenuidade. Não é possível contrariar para sempre aquilo que é o mais provável."
SHIHO FUKADA PARA THE NEW YORK TIMES Um metrô de quase 225 quilômetros de extensão e US$ 45 bilhões está sendo construído em Wuhan. Outras obras de infraestrutura em várias cidades também são financiadas por dívidas Uma economia que é mais vulnerável do que aparenta quando vista do lado de fora Gasto em excesso é risco para a economia Com reportagem de Xu Yan ON-LINE: DÍVIDA PARA CONSTRUIR Outras imagens do boom de Wuhan: nytimes.com/business. Di-gite "Wuhan" em nosso buscador Con­­tin­­uação da pág.1

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