São Paulo, segunda-feira, 18 de julho de 2011

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ANÁLISE DO NOTICIÁRIO

Em Marrocos, um ato de equilíbrio real

Por NADIM AUDI
RABAT, Marrocos - A recente decisão de Marrocos de modificar sua Constituição oferece o que alguns consideram uma boa alternativa aos confrontos sangrentos que marcaram a Primavera Árabe.
O referendo em Marrocos para dar mais poderes aos líderes eleitos foi apresentado como uma resposta original aos pedidos de reformas democráticas que varreram os países árabes desde que os tunisianos inesperadamente derrubaram seu antigo ditador, em janeiro.
Por enquanto, a vitória eleitoral em Marrocos permanece principalmente simbólica. O rei Mohamed 6° propôs pessoalmente o referendo de 1° de julho, mas as revisões da Constituição assim permitidas garantem que ele mantém o poder político quase absoluto e um controle inquestionável dos militares. E a capacidade de a Constituição promover mudanças reais dependerá de como o texto será aplicado na política cotidiana.
Mas os defensores afirmam que mover-se lentamente talvez seja a maneira mais segura de alcançar uma mudança sustentável, e, segundo analistas, pequenos passos podem ser suficientes para inspirar outros na região a segui-los. Pelo menos, os acontecimentos em Marrocos oferecem um contraponto marcante aos do Egito e da Tunísia, lugares em que as concessões dos líderes pareceram funcionar contra eles, dando mais força aos manifestantes.
"A principal diferença para outros países da região é que os manifestantes nunca pediram a queda do regime", disse Mokhtar El Ghambou, que está ajudando a fundar a Universidade Internacional de Rabat. Para outros, o exemplo de Marrocos é perturbador, ao fornecer munição para governantes e contrarrevolucionários tentarem romper o ímpeto de reformas abrangentes.
"Se a revolução egípcia não conseguir provocar mudanças, com lugares como Marrocos na mente, haverá uma grande reação contra as revoluções", ele disse.
A evolução de Marrocos foi inspirada por muitas das mesmas questões que deram origem às revoluções no Egito e na Tunísia. O reino no oeste da África do Norte tem grande população de jovens inquietos, muitos deles desempregados, e é perturbado pelo nepotismo e por uma crescente divisão entre ricos e pobres.
No início, as reações em Marrocos às notícias da Tunísia e do Egito acompanharam as de outros países da região. Os manifestantes saíram às ruas. Embora as tropas do governo tenham espancado manifestantes, não dispararam contra eles, que estavam mais interessados em forçar seu rei na direção de uma verdadeira monarquia constitucional do que em derrubá-lo. Mohamed 6° é considerado um homem de mentalidade progressista. No início do seu reinado, ele tomou medidas modernizadoras, incluindo a promoção de uma lei que aumentou a idade para as mulheres se casarem e permitiu que elas peçam o divórcio.
Com a ascensão do islamismo radical, o rei diminuiu o ritmo das reformas. Com o tempo, ele foi acusado de tolerar a corrupção.
Mohamed voltou a propor grandes mudanças somente depois dos protestos deste ano. Além de suas propostas de reformas constitucionais, ele perdoou dezenas de prisioneiros que, segundo a oposição, foram detidos por suas ideias políticas.
Sob as novas provisões, o primeiro-ministro ainda será nomeado pelo rei, mas precisará ser escolhido no partido com maioria parlamentar. O primeiro-ministro agora será encarregado de indicar ministros de governo, mas o rei ainda deverá aprovar essas escolhas.
As mudanças deixaram alguns marroquinos decepcionados. "O rei dá a impressão de que entrega as chaves ao primeiro-ministro, enquanto mantém uma cópia em seu bolso", escreveu Karim Boukhari, editor do semanário "Tel Quel".
Os manifestantes prometeram manter as demonstrações semanais. Analistas disseram que é improvável que outras monarquias sigam o exemplo de Marrocos, principalmente por causa de suas populações serem ao mesmo tempo mais ricas e mais conservadoras e, portanto, menos inclinadas a se moverem pela democracia.
Os líderes da Jordânia e da Argélia sugeriram reformas políticas, mas não está claro se elas seguirão em frente. O rei Abdulah 2° da Jordânia reformulou seu gabinete para tentar acalmar os manifestantes. Mas as realidades regionais poderiam condenar reformas mais significativas.
"Eles observam a situação na Síria e se preocupam com a possibilidade de serem desestabilizados pelos acontecimentos de lá", disse Muhammad Nagi, do Centro Ahram para Estudos Políticos e Estratégicos, no Cairo. "Eles não estão à vontade com o que acontecerá se começarem a responder aos pedidos de mudanças dos manifestantes."
Mas, mesmo que nenhum país siga os marroquinos, o exemplo do rei apresenta uma alternativa para os reformistas.
"De um lado, você tem a Líbia, que é exatamente onde as populações árabes querem evitar; do outro, você tem esse contraponto marroquino", disse Haoues Seniguer, professor no Instituto de Estudos Políticos em Lyon, França. "Governos poderiam se inspirar nessa estratégia bem-sucedida para diluir os protestos."
Para os muitos defensores do rei Mohamed, as mudanças podem ser imperfeitas, mas são a melhor maneira de avançar.
"As pessoas no Egito continuam atirando pedras umas nas outras, e nós já temos uma nova Constituição", disse Rachid Benmami, 55, em um café em Casablanca. Ele tirou de sua carteira uma imagem de Mohamed 6°. "Agradecemos a Deus por nosso rei", disse o homem antes de beijar a foto.


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