São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2010

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Ex-rebeldes caçam fugitivo ugandense

Por JEFFREY GETTLEMAN

OBO, República Centro-Africana - A noite é escura, os helicópteros estão atrasados, e o comandante Patrick Opiyo Makasi está sentado perto de uma fogueira minguante em uma base militar remota, colocando seus pensamentos em palavras que se esvaem na escuridão. "Eram ou eles ou eu", diz Makasi, falando das incontáveis pessoas que já matou.
O Exército de Resistência do Senhor (LRA), grupo rebelde notoriamente brutal, raptou-o à margem de um rio quando ele tinha 12 anos, há mais de 20 anos, e o ensinou a incendiar, saquear e massacrar.
Seu nome, Makasi, significa "tesoura" na língua kisuaíli, e outros soldados disseram que ele o conquistou por cortar orelhas e lábios de suas vítimas. Hoje, porém, Makasi tem uma missão nova: caçar seu antigo chefe.
Em uma estratégia pouco ortodoxa que pode ajudar a pôr fim a essa guerra aparentemente sem sentido, o Exército de Uganda está usando esquadrões especiais de matadores experientes para rastrear o líder do LRA, Joseph Kony, um dos homens mais procurados da África, foragido da Justiça há 20 anos.
Como Makasi, esses soldados são antigos combatentes do LRA, e praticamente todos foram raptados quando eram crianças. Eles se renderam recentemente e agora atravessam a pé rios de água escura e extensões de capim da altura de suas cabeças, percorrendo três dos países mais problemáticos do mundo: a República Centro-Africana, a República Democrática do Congo e o Sudão, onde se acredita que os últimos remanescentes do LRA estejam escondidos. Eles afirmam conhecer todos os truques de Joseph Kony.
Alguns questionam a conveniência de se confiar tanto em homens cujo norte moral passou tanto tempo de ponta-cabeça.
Mas o governo ugandense está desesperado para encerrar esse conflito, que devastou o norte de Uganda e deixou milhares de mortos. A política consiste em conceder anistia a todos os combatentes do LRA exceto os três chefes principais, que foram indiciados pelo Tribunal Penal Internacional: Joseph Kony, Okot Odhiambo, seu segundo em comando, e Dominic Ongwen, tido como responsável por ter planejado um massacre de centenas de civis no Congo em dezembro.
O governo dos EUA vê o LRA como ameaça regional e está ajudando Uganda com milhões de dólares em apoio militar, composto de caminhões, combustível e aviões arrendados. Alguns oficiais americanos dizem estar divididos quando ao envolvimento de ex-rebeldes, embora também digam que a decisão foi tomada por Uganda e que, nesse caso, nas palavras de um oficial americano, "esses sujeitos talvez sejam alguns dos melhores que eles têm".
As estatísticas do campo de batalha parecem confirmar essa visão. Nos últimos 18 meses, dizem autoridades americanas, o Exército de Uganda já matou ou capturou mais de metade dos homens de Kony, incluindo seus responsáveis financeiro e de comunicações e vários comandantes de alto nível.
"Sejamos realistas", acrescentou o oficial americano, pedindo anonimato. "Esses ex-combatentes do LRA não possuem muitas habilidades. Sua reintegração à sociedade vai ser difícil. Mas uma coisa que eles sabem fazer muito bem é caçar seres humanos na floresta."
Nos últimos meses, o LRA matou dezenas de civis em vilarejos isolados e refez suas fileiras dizimadas, sequestrando crianças, como de costume. Joseph Kony parece estar circulando entre a República Centro-Africana e a região de Darfur, no Sudão, o que é um problema para os ugandenses, porque, embora tenham autorização das autoridades de Congo, República Centro-Africana e do sul do Sudão, seu ingresso no norte sudanês não é permitido. Mulheres recém-resgatadas que integravam o harém recrutado à força por Joseph Kony disseram que este ainda contava com suprimentos suficientes, incluindo um televisor alimentado por energia solar.
"Às vezes ele assiste a filmes para se animar", disse uma das mulheres, Alice Auma. "'Rambo' é um de seus filmes favoritos."
Todos os dias, dezenas de esquadrões de soldados ugandenses -vários milhares ao todo- se levantam cedo e se equipam com fuzis de assalto, metralhadoras penduradas às costas e botas de borracha de cano alto, alimentando-se com mingau de banana e algumas xícaras de chá quente. Makasi, 35, lidera um desses esquadrões.
Observadores dos direitos humanos disseram que os militares ugandenses vêm tendo desempenho admirável nessa operação. "Estou satisfeita com o comportamento deles", disse Anneke Van Woudenberg, pesquisadora da Human Rights Watch. "E o trabalho que estão fazendo é duríssimo."


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