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Na Malásia, uma mãe desafia a Justiça islâmica
Por LIZ GOOCH
KUALA LUMPUR - Durante a maior parte dos seus 17 anos de casamento, M. Indira
Gandhi e seu marido seguiram rituais que ela considerava parte integral da sua
fé hindu. Eles rezavam diante de um altar todas as manhãs e jejuavam às sextas-
feiras. Em dias festivos, vestiam trajes típicos coloridos para ir ao templo.
Eram tradições que Gandhi supunha que seriam transmitidas a seus três filhos.
Mas, há quase um ano, ela ficou chocada ao descobrir que seu marido havia se
convertido ao islã. Sua surpresa virou raiva ao saber que, sem consultá-la, ele
havia convertido também as crianças. "Se ele quer se converter, ok. Mas essas
crianças nasceram de nós dois", disse Gandhi, professora de jardim de infância
em Ipoh, perto da capital Kuala Lumpur.
Gandhi passou a percorrer jurisdições conflitantes das cortes civis e religiosas
da Malásia, num caso que desafia a autoridade dos tribunais da sharia (lei
islâmica) na Malásia, país majoritariamente muçulmano.
Sob o duplo sistema Judiciário do país, os tribunais da sharia lidam com casos
de família envolvendo muçulmanos, enquanto as cortes laicas tratam dos casos
envolvendo não muçulmanos. Mas os limites se tornaram difusos nas disputas entre
pessoas de diferentes credos. Minorias religiosas queixam-se de desvantagem
quando o seu caso cai em uma corte islâmica.
Em 2009, uma corte da sharia concedeu a guarda dos filhos ao marido de Gandhi,
Muhammad Ridzuan Abdullah. Mas, no mês passado, numa decisão que alguns
consideraram histórica, um tribunal civil reverteu a decisão e devolveu a guarda
a Gandhi. Recentemente, Ridzuan teve negado um pedido de liminar contra a
sentença.
Gandhi pretende pedir permissão judicial para contestar a conversão dos filhos.
Um dos seus advogados, K. Shanmuga, disse que não se lembra de um caso em que um
tribunal civil tenha revertido a conversão de uma criança ao islã.
Os advogados dizem estar vendo nos últimos anos um crescente número de casos em
que um dos pais, em geral o homem, se converteu ao islã e converteu os filhos
sem o conhecimento do cônjuge.
Uma vez convertidas, e com o carimbo "islã" na carteira de identidade, as
crianças enfrentam profundas consequências. Shanmuga disse que elas têm de
estudar o islã na escola e ficam submetidas às regras da sharia, que declaram
que os muçulmanos não podem se casar com pessoas de outra fé, devem criar seus
filhos como muçulmanos e não podem participar em cerimônias não islâmicas.
O advogado Malik Imtiaz Sarwar, presidente da Sociedade de Direitos Humanos da
Malásia, disse acreditar que alguns pais convertam seus filhos ao islã para
obter uma "vantagem tática" em suas disputas pela custódia.
Nos últimos anos, segundo ele, tribunais civis têm decidido que um convertido ao
islã tem o direito de levar uma disputa pela guarda dos filhos a uma corte da
sharia, mesmo que a outra parte não seja muçulmana. Não muçulmanos não podem
comparecer a cortes da sharia, e os advogados dizem que esses tribunais são mais
propensos a concederem a custódia ao pai muçulmano quando as crianças foram
convertidas.
A Constituição da Malásia diz que a religião dos menores de 18 anos deve ser
decidida pelo pai ou responsável. Alguns advogados argumentam que isso deveria
ser interpretado como ambos os pais, mas, para os tribunais, o consentimento de
um pai basta.
Uma vez que uma pessoa se torna muçulmana, é difícil mudar. É preciso ter
permissão da corte da sharia, mas Shanmuga disse que não há critérios
estabelecidos para renunciar ao islã.
"A corte da sharia e a população muçulmana em geral recriminam os que abandonam
o islã", disse Mohammad Hashim Karmali, especialista em lei islâmica e
executivo-chefe do Instituto Internacional de Estudos Islâmicos Avançados. "Os
procedimentos não são facilitados para eles."
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