São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2010

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Na Malásia, uma mãe desafia a Justiça islâmica

Por LIZ GOOCH

KUALA LUMPUR - Durante a maior parte dos seus 17 anos de casamento, M. Indira Gandhi e seu marido seguiram rituais que ela considerava parte integral da sua fé hindu. Eles rezavam diante de um altar todas as manhãs e jejuavam às sextas- feiras. Em dias festivos, vestiam trajes típicos coloridos para ir ao templo.
Eram tradições que Gandhi supunha que seriam transmitidas a seus três filhos. Mas, há quase um ano, ela ficou chocada ao descobrir que seu marido havia se convertido ao islã. Sua surpresa virou raiva ao saber que, sem consultá-la, ele havia convertido também as crianças. "Se ele quer se converter, ok. Mas essas crianças nasceram de nós dois", disse Gandhi, professora de jardim de infância em Ipoh, perto da capital Kuala Lumpur.
Gandhi passou a percorrer jurisdições conflitantes das cortes civis e religiosas da Malásia, num caso que desafia a autoridade dos tribunais da sharia (lei islâmica) na Malásia, país majoritariamente muçulmano.
Sob o duplo sistema Judiciário do país, os tribunais da sharia lidam com casos de família envolvendo muçulmanos, enquanto as cortes laicas tratam dos casos envolvendo não muçulmanos. Mas os limites se tornaram difusos nas disputas entre pessoas de diferentes credos. Minorias religiosas queixam-se de desvantagem quando o seu caso cai em uma corte islâmica.
Em 2009, uma corte da sharia concedeu a guarda dos filhos ao marido de Gandhi, Muhammad Ridzuan Abdullah. Mas, no mês passado, numa decisão que alguns consideraram histórica, um tribunal civil reverteu a decisão e devolveu a guarda a Gandhi. Recentemente, Ridzuan teve negado um pedido de liminar contra a sentença.
Gandhi pretende pedir permissão judicial para contestar a conversão dos filhos. Um dos seus advogados, K. Shanmuga, disse que não se lembra de um caso em que um tribunal civil tenha revertido a conversão de uma criança ao islã.
Os advogados dizem estar vendo nos últimos anos um crescente número de casos em que um dos pais, em geral o homem, se converteu ao islã e converteu os filhos sem o conhecimento do cônjuge.
Uma vez convertidas, e com o carimbo "islã" na carteira de identidade, as crianças enfrentam profundas consequências. Shanmuga disse que elas têm de estudar o islã na escola e ficam submetidas às regras da sharia, que declaram que os muçulmanos não podem se casar com pessoas de outra fé, devem criar seus filhos como muçulmanos e não podem participar em cerimônias não islâmicas.
O advogado Malik Imtiaz Sarwar, presidente da Sociedade de Direitos Humanos da Malásia, disse acreditar que alguns pais convertam seus filhos ao islã para obter uma "vantagem tática" em suas disputas pela custódia.
Nos últimos anos, segundo ele, tribunais civis têm decidido que um convertido ao islã tem o direito de levar uma disputa pela guarda dos filhos a uma corte da sharia, mesmo que a outra parte não seja muçulmana. Não muçulmanos não podem comparecer a cortes da sharia, e os advogados dizem que esses tribunais são mais propensos a concederem a custódia ao pai muçulmano quando as crianças foram convertidas.
A Constituição da Malásia diz que a religião dos menores de 18 anos deve ser decidida pelo pai ou responsável. Alguns advogados argumentam que isso deveria ser interpretado como ambos os pais, mas, para os tribunais, o consentimento de um pai basta.
Uma vez que uma pessoa se torna muçulmana, é difícil mudar. É preciso ter permissão da corte da sharia, mas Shanmuga disse que não há critérios estabelecidos para renunciar ao islã.
"A corte da sharia e a população muçulmana em geral recriminam os que abandonam o islã", disse Mohammad Hashim Karmali, especialista em lei islâmica e executivo-chefe do Instituto Internacional de Estudos Islâmicos Avançados. "Os procedimentos não são facilitados para eles."


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