São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Como transmitir emoção sem mover um músculo

Por BENEDICT CAREY

MEDFORD, Massachusetts - Os pesquisadores há muito tempo sabem que expressões faciais são cruciais para a interação social e as categorizaram detalhadamente. Eles sabem quais expressões são universais e conseguem distinguir ligeiras diferenças, por exemplo, entre um sorriso educado e um genuíno.
Mas resta uma questão central: como o cérebro interpreta as expressões alheias com tanta rapidez e precisão? A resposta deve ser de enorme importância, dizem os especialistas, para entender como as interações sociais funcionam ou não.
Os estudos até agora apontam para aquilo que psicólogos chamam de mimetismo facial. Durante um intercâmbio social, as pessoas subconscientemente espelham a surpresa, a repulsa ou a satisfação do outro -e, na prática, interpretam a emoção ao sentirem o que está expresso no seu próprio rosto. Ao interferir nessa capacidade de mimetizar, sugerem os estudos, as pessoas ficam menos propensas a ler as expressões dos outros.
Mas e se uma pessoa não consegue imitar expressão alguma?
Em um novo estudo, o maior já feito sobre a síndrome de Moebius, uma rara doença congênita que causa paralisia facial, Kathleen Bogart, pesquisadora de psicologia da Universidade Tufts e portadora do distúrbio, e David Matsumoto, psicólogo da Universidade Estadual de San Francisco, concluíram que vítimas da síndrome não têm dificuldades para reconhecer as expressões alheias.
Isso sugere que o cérebro tem outros sistemas para reconhecer expressões faciais e que as pessoas com paralisia facial aprendem a tirar vantagem disso.
"Eu não tinha nenhum interesse especial em estudar a paralisia facial, embora eu a tivesse; havia muitas outras coisas que eu poderia ter feito", disse Bogart.
"Mas, na faculdade, fui ver o que os psicólogos tinham a dizer a respeito, e não havia nada [...]. E fiquei simplesmente -bem, fiquei irada."
A emoção cerrou seu punho, retesou seu corpo e subiu para o seu olhar, sem afetar seu rosto. "Irada. Pensei: 'Eu também poderia fazer isso, já que certamente ninguém mais vai fazer'."
A síndrome de Moebius não tem causa conhecida; ela atinge menos de 1 a cada 100 mil crianças no nascimento, resultando em uma paralisia facial total ou quase total.
A maioria das vítimas se adapta, "assim como com os cegos, cujos sentidos de tato, olfato e audição se tornam mais agudos", disse Matsumoto. "O mesmo vale aqui, eu acho, só que no domínio da comunicação não verbal."
Nos primeiros dois estudos, Bogart e Matsumoto fizeram 36 portadores da síndrome de Moebius olhar para 42 fotos digitais padronizadas de expressões como raiva, felicidade e tristeza. Os participantes identificaram corretamente as emoções em cerca de 75% das vezes -mesma taxa de adultos sem a síndrome.
Os resultados não significam que a socialização seja simples ou natural para pessoas com essa paralisia; a maioria sofre, conforme Bogart e Matsumoto concluíram num estudo subsequente. A principal razão para isso (além dos traços imóveis, o que distrai algumas pessoas) tem pouco a ver com um deficit no reconhecimento das emoções alheias, sugerem os estudos.
Provavelmente, tem a ver novamente com o mimetismo, ou a falta dele. Em uma série de estudos, os psicólogos concluíram que o vínculo social entre interlocutores de uma conversa é altamente dependente de uma troca rítmica e normalmente subconsciente de gestos e expressões, o que cria uma espécie de boa vontade compartilhada.
Se isso não acontece na hora certa, o apoio ao falante pode parecer duvidoso, e a interação desanda. Para muita gente com paralisia completa ou quase completa, o jeito é usar outros canais que não o rosto: contato visual, gesticulação, postura e tom de voz.
Em um experimento publicado em 2009, pesquisadores holandeses colocaram 46 alunos da Universidade de Leiden em pares, para uma interação de três minutos com um colega que estava ou mentindo ou falando a verdade sobre uma doação beneficente. Os alunos orientados a não mimetizar as expressões do interlocutor se saíram significativamente melhor em determinar quem estavam dizendo a verdade, em relação aos alunos orientados a mimetizar, ou que não receberam instruções. "O mimetismo, seja espontâneo ou produto de uma instrução, prejudica os observadores em termos de avaliar objetivamente" os verdadeiros sentimentos dos outros.
Os gestos e tons que as pessoas com paralisia tanto usam agregam mais informações. "E achamos que podem existir outros sistemas também, em áreas pré- motoras do cérebro, que estejam compilando toda essa informação", de modo que o córtex possa fazer um julgamento sobre a emoção, disse Matsumoto.


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