São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2010

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Laranjais e olivedos refletem percalços da história afegã

Por ALISSA J. RUBIN

DISTRITO BATI KOT, Afeganistão - A estrada principal que chega ao Afeganistão desde o leste atravessa paisagens planas e ressequidas. Então, de uma hora para outra, a terra árida dá lugar a enormes pomares de oliveiras, como se um gigante tivesse deixado cair uma ilha mediterrânea no meio da Ásia Central.
O agricultor Gul Abbas, de 66 anos e barba branca, caminhava recentemente entre as fileiras de oliveiras, falando como alguém que estivesse perdido em um sonho: "Antigamente, recebíamos visitantes. Pessoas vinham da Índia, do Paquistão e de Bangladesh para conhecer nossas plantações."
Abbas cresceu com as árvores e passou sua vida cuidando delas. A história da plantação é sua história e também a do país. As oliveiras, explicou, não são só oliveiras, mas também uma promessa de que qualquer coisa pode acontecer nesse país assolado por problemas -até mesmo a paz e a fartura.
Abbas começou a trabalhar na plantação quando era adolescente, quase 50 anos atrás. Os olivedos foram idealizados por um rei de ideias progressistas, Mohammad Zahir Shah. Em busca de emprego para os cidadãos de seu país, assolado pela escassez de água, ele pediu ajuda de duas grandes potências agrícolas que tinham conseguido converter seus desertos em áreas verdes: a União Soviética e os EUA.
Cada uma delas lançou projetos de irrigação no Afeganistão: os EUA na Província de Helmand, e a URSS, nas proximidades de Jalalabad.
A meta soviética era recuperar cerca de 90,6 mil hectares de vegetação rasteira, convertendo a área em até seis fazendas férteis.
Para isso, segundo Nancy Dupree, especialista em Afeganistão, foram canalizadas a neve derretida das montanhas Hindu Kush e a água do rio Cabul, por meio de canais de irrigação. Hoje, as fazendas cobrem mais ou menos 22,2 mil hectares.
A ideia original, contou Abbas, era cultivar oliveiras e laranjeiras. Os soviéticos ergueram uma cooperativa-modelo, com unidades habitacionais para os trabalhadores, escolas e muitos mais.
O projeto levou 15 anos para ser completado, tempo suficiente para as árvores produzirem frutos. As laranjeiras levam quatro anos para tornar-se produtivas naqule solo, disse ele, enquanto as oliveiras levam pelo menos 12.
Como os afegãos não tinham o hábito de consumir azeitonas, quase a safra inteira -2.400 toneladas por ano- era enviada à Rússia no final dos anos 1970, ao lado de 6.400 toneladas de laranjas, segundo um engenheiro chamado Hakim que hoje comanda a Autoridade de Desenvolvimento do Vale Nangarhar, responsável pelas fazendas.
Hakim, 51, que, como muitos afegãos, tem apenas um nome, assistiu ao crescimento das fazendas quando era estudante universitário.
"Fui visitar um parente que vivia na fazenda; [sua comunidade] tinha suas próprias casas, escolas, teatro, cinema, hospital, padaria e parques bem organizados", disse ele. "Foi um projeto que transformou a vida das pessoas."
Então, no início dos anos 1980, o movimento mujahedin, para expulsar os soviéticos do país, começou na vizinha Província de Kunar. A situação de segurança se deteriorou, e vândalos começaram a fazer depredações noturnas, contou Hajji Hanifullah Khan, gerente de uma das fazendas.
Laranjeiras ainda novas eram derrubadas, e os olivedos, depredados.
Quando o governo comunista caiu, em 1992, os trabalhadores da fazenda fugiram para o Paquistão. Gul Abbas, o agricultor, também fugiu.
Antes mesmo de as forças ocidentais afastarem o Taleban do poder, em 2001, Abbas retornou e encontrou uma terra devastada.
Não sobrara uma única laranjeira. Sem serem tratadas, as oliveiras tinham parado de produzir frutos. Hakim procurou a equipe de reconstrução provincial, comandada pelos americanos, em Jalalabad, e recebeu US$ 1,8 milhão para reconstruir os canais de irrigação, além de dinheiro para dar início ao replantio. Hoje, grandes extensões das fazendas ainda não foram recuperadas. Mas o dinheiro da reconstrução permitiu aos afegãos começar a reviver cerca de 200 hectares de olivedos, plantar novas árvores de frutas cítricas e dar emprego em tempo integral a pelo menos 1.050 pessoas, disse Hakim.
Caminhando entre os pomares sob o sol pálido da primavera, Abbas apontou para uma árvore infestada com mosca branca e outra cujos galhos inferiores tinham sido decepados. Uma terceira árvore tinha sido arrancada pela raiz, sobrando apenas um buraco na terra.
"Ladrões", disse ele. "Ficamos aqui [na plantação] apenas durante o horário de trabalho; depois disso, não há governo, apenas o governo nominal."


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