São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2010

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DINHEIRO & NEGÓCIOS

Turquia se volta ao Oriente e prospera


Uma elite que aprecia tanto o Corão quanto carros de luxo

Por LANDON THOMAS Jr.

ISTAMBUL - Durante décadas, a Turquia ouviu que não estava pronta para entrar para a União Europeia, pois era economicamente atrasada. Esse argumento não se sustenta mais.
A Turquia de hoje é uma potência econômica em rápida ascensão, com várias companhias internacionalmente competitivas. Um país jovial que está virando um centro empresarial, exportando para os ricos mercados da Rússia e do Oriente Médio e atraindo bilhões de dólares em investimentos.
Para muita gente na endividada Europa, onde com sorte o crescimento passará de 1% neste ano, o renascimento econômico da Turquia -no fim de junho o país anunciou um estonteante crescimento de 11,4% no primeiro trimestre, atrás apenas da China- constitui uma questão completamente nova: qual dos dois precisa mais do outro, Europa ou Turquia?
"As velhas potências estão perdendo poderio, tanto econômica quanto intelectualmente", disse Vural Ak, 42, fundador e executivo-chefe da Intercity, maior locadora de veículos do país. "E a Turquia agora tem força suficiente para ficar de pé sozinha."
É uma notável transformação para uma economia que, há apenas dez anos, tinha um deficit orçamentário de 16% do PIB e uma inflação anual de 72%. Ela se deve à ascensão ao poder do premiê Recep Tayyip Erdogan, que combina conservadorismo social com políticas fiscais cautelosas, para tornar o seu Partido Justiça e Desenvolvimento (AK) o movimento político mais dominante na Turquia desde os primeiros dias da República.
"Este é um mundo de sonhos", disse Husnu Ozyegin, que se tornou o homem mais rico da Turquia ao vender o seu Finansbank ao Banco Nacional da Grécia, em 2006. Sentando na cobertura do seu hotel Swiss, cinco estrelas, ele consultava no seu BlackBerry as cotações mais recentes dos "credit default swaps" (espécie de seguro contra calotes) dos países da zona do euro. E mal acreditava no que via.
"Grécia, 980; Itália, 194, e eis a Turquia em 192", disse ele com satisfação. "Se há dez anos você me dissesse que o risco financeiro da Turquia seria igual ao da Itália, eu diria que você era louco."
Ozyegin representa a velha guarda da elite turca, que abraçou o governo de Erdogan por causa dos seus êxitos econômicos. Menos conhecida, mas igualmente importante para o futuro da Turquia, é a rápida ascensão de líderes empresariais socialmente conservadores.
Ak, o executivo da locadora, é um exemplo dessa nova elite. Vai trabalhar dirigindo uma Ferrari, mas é também um muçulmano praticante, que não bebe e não se acanha em falar da sua fé.
Na parede atrás da sua mesa há um quadro com uma passagem em árabe do Corão, e ele recentemente financiou um programa de estudos islâmicos na Universidade George Mason, perto de Washington.
Adotar o islã como guia de vida não impede Ak de usar uma tecnologia israelense de irrigação no seu negócio paralelo de cultivo de amêndoas e nozes. Esse tipo de dinamismo flexível -tanto social quanto econômico- permitiu à Turquia ampliar suas relações comerciais com Israel, Rússia, Arábia Saudita, Irã e Síria, algo que agora serve de base à ambição do país de se tornar o ator político dominante na região.
Em junho, as exportações turcas cresceram 13% em relação ao ano anterior, e a maior parte da demanda vem de países próximos, como Iraque, Irã e Rússia. Com bases industriais imaturas, esses países são ávidos consumidores de biscoitos, carros e TVs de tela plana de fabricação turca.
No Irã, empresas turcas estão construindo fábricas de fertilizantes e produzindo fraldas e produtos sanitários femininos. No Iraque, o grupo Acarsan acaba de ganhar uma concorrência para construir cinco hospitais.
Ninguém em Istambul contesta que tais tendências dão a Erdogan legitimidade -interna e externa- para criticar Israel e para negociar acordos de energia nuclear com o Irã, situações que abalaram as relações dele com o principal e mais tradicional aliado do país, os EUA.
Mas alguns temem que a exibição de poder tenha ido longe demais, e que o tom agressivo com Israel possa ameaçar o princípio definidor do fundador da Turquia, Mustafa Kemal Atatürk: paz doméstica, paz no mundo.
"A política externa é boa se trouxer autoestima", disse Ferda Yildiz, presidente da Basari Holding, conglomerado que atualmente negocia a construção de uma fábrica de medidores elétricos na Síria.
Mas ele adverte que seria um erro se envolver demais na expansão ao Oriente, caso isso venha em detrimento da antiga inclinação do país a buscar inovação e inspiração no Ocidente. "Construir relações leva séculos, e destruí-las leva minutos", afirmou.


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