São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

AMERICANAS

Uma nova geração vê o sonho americano minguar

Por LOUIS UCHITELLE

GRAFTON, Massachusetts - A rotina variava pouco para Scott Nicholson, 24, um desempregado com diploma da Universidade Colgate, de Hamilton (Nova York), onde recebeu um prêmio de excelência acadêmica da reitoria.
Vivendo na casa dos pais, ele passava as manhãs em sites corporativos atrás de oportunidades de emprego. Quando achava uma possibilidade, enviava um currículo e uma carta de apresentação -quatro ou cinco por semana, semana após semana.
Em cinco meses, só uma vaga se materializou. Após várias entrevistas, uma seguradora lhe ofereceu um cargo de inspetor associado de sinistros, com salário anual de US$ 40 mil.
Mas, antes mesmo da oferta, Nicholson já havia decido rejeitar a vaga. Achou que, em vez de desperdiçar seus primeiros anos num trabalho sem perspectiva, deveria esperar um emprego que aproveitasse sua formação universitária e o colocasse nas etapas iniciais de uma carreira ascendente.
"A conversa que vou ter com meus pais, agora que rejeitei esse emprego, me preocupa mais do que rejeitar o emprego em si", disse ele na ocasião.
Ele se preparou, então, para conversar com o pai.
Enquanto Scott Nicholson encarava o emprego na seguradora como um possível empecilho na sua carreira, David Nicholson, 57, acostumado a tempos melhores e a mais mobilidade, o via como uma oportunidade. Uma vez lá dentro, insistia ele ao filho, as chances iriam aparecer -como apareceram para o próprio David nos seus 35 anos de ascensão até a gerência-geral de uma fábrica.
"Você manobrava e não se preocupava em aonde a manobra iria levar", disse o pai. "Você sabia que iria levar a algo bom."
Complicando o abismo geracional, o avô de Scott, William Nicholson, veterano da Segunda Guerra e corretor de ações aposentado, assistiu ao que descreve como a perda da proeminência do outrora poderoso motor econômico dos EUA. O avô tem estimulado o neto a ir para o exterior.
"Não acho que eu tenha entendido plenamente a gravidade da situação na qual me formei", disse Scott, falando na prática de toda a sua faixa etária, a dos 18 a 29 anos, na qual o desemprego é de quase 14%, aproximando-se do nível que esse grupo registrava na Grande Depressão.
E, então, ele se desviou para o otimismo que, segundo as pesquisas, é -de modo talvez perverso- característico dessa geração, conhecida como "millennials".
Para os jovens adultos, as perspectivas no local de trabalho, mesmo para quem tem diploma universitário, raramente foram tão sombrias. Além dos 14% que estão desempregados e atrás de trabalho, como Scott, outros 23% nem procuram emprego, segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho. O total, 37%, é o maior em mais de três décadas, comparável a cifras dos anos 1930.
Quem foi à faculdade está melhor. Mas quase 17% estão desempregados ou nem procuram trabalho, um nível recorde (parte desse grupo está na pós-graduação). O desemprego para jovens adultos com nível universitário, 5,5%, é quase o dobro do que era às vésperas da Grande Recessão, em 2007, e o maior nível -por quase 2 pontos percentuais- desde 1994, quando começou a série estatística envolvendo pessoas com pelo menos quatro anos de faculdade.
Até agora, Scott Nicholson se sente alheio às histórias triunfais que seu pai e seu avô contam sobre suas vidas profissionais.
Eles dizem que o impulso inicial veio mais das conexões do que da perseverança -no caso do pai, por meio de um amigo, em 1976, que havia acabado de abrir uma fábrica e o contratou; no caso do avô, em 1946, quando o sogro de um colega do Exército, dono de uma corretora de ações, precisou de mais um corretor.
A partir desses começos acidentais, carreiras se desenrolaram e duraram. David Nicholson, hoje diretor-geral de uma fábrica de ferramentas, continua no setor industrial. William Nicholson passou 48 anos como corretor de ações, até se aposentar.
Pressionados, muitos "millennials" voltam à casa dos pais, caso de Scott. Em 2008, primeiro ano da recessão, o percentual da população que vivia em lares onde estavam presentes pelo menos duas gerações subiu quase 1 ponto percentual, chegando a 16%, segundo o Pew Research Center. O auge, 24,7%, fora em 1940, ao final da Depressão, e o mínimo, 12%, em 1980.
Antes da recessão, há três anos, o irmão de Scott, David Jr., 26, arrumou um bom emprego numa seguradora de Boston. Ele ganha US$ 75 mil por ano -quantia agora inalcançável para Scott.
No começo do mês passado, Scott foi morar com o irmão -os pais deles pagarão a parte de Scott no aluguel mensal de US$ 2.000 até que o contrato de locação expire, em 31 de agosto.
E se Scott não tiver arrumado emprego até lá? "Farei algo temporário; não vou voltar para casa", disse.


Texto Anterior: Demonstrar a raiva tem seu lado bom

Próximo Texto: Flórida vive agruras de vazamento
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.