São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2010

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Flórida vive agruras de vazamento


Recifes do Estado são ameaçados pelo avanço do óleo

Por DAMIEN CAVE

KEY LARGO, Flórida - Quando as plataformas começaram a perfurar poços de petróleo diante da costa da Louisiana, na década de 1940, os habitantes da Flórida, com seus balneários e praias brancas como talco, disseram: "Não obrigado, vamos ficar com o turismo".
Hoje, o vazamento de petróleo da BP no golfo do México atingiu a costa noroeste dos EUA, conhecida como Panhandle, e, se seguir as correntes até os famosos recifes de corais e pesqueiros nas duas costas da Flórida, o "Estado Ensolarado" poderá parecer um museu: olhe, mas não toque.
Tudo porque outros Estados decidiram contar com o petróleo e o gás, dizem os floridenses irritados; tudo porque na água não há fronteiras -só correntes que podem carregar as catástrofes por centenas de quilômetros.
"Não há nada que possamos fazer", disse Mike McLaughlin, 42, estendendo uma pele curtida de tubarão em um cais no arquipélago de Florida Keys. "Estamos simplesmente sentados aqui esperando que tudo desapareça."
Muitos moradores da Flórida, é claro, dizem que lamentam pela Louisiana, e ainda reservam suas críticas mais cáusticas para a BP e os reguladores do governo.
Mas, com o petróleo jorrando de um poço diante da Louisiana, a Flórida ficou mais revoltada com seus vizinhos pró-perfuração. O governador Charlie Crist disse em junho que "existe um certo nível de frustração" no fato de a Flórida receber pouco ou nenhum benefício financeiro da prospecção em alto-mar, embora compartilhe os riscos ambientais.
A divisão entre os dois Estados é econômica, além de cultural: o petróleo e o gás contribuem com cerca de US$ 65 bilhões por ano para a economia da Louisiana, segundo associação estadual do setor, enquanto na Flórida o turismo responde por cerca de US$ 60 bilhões. A diferença, dizem os da Flórida, é que um bar lotado em Miami não tem impacto em Nova Orleans, na Louisiana. Os vazamentos de petróleo, sim.
Sean Snaith, economista da Universidade Central da Flórida, concluiu um estudo que mostra que a costa do golfo da Flórida poderá perder 195 mil empregos e US$ 11 bilhões neste ano se o vazamento reduzir o turismo pela metade. Com a perfuração de petróleo "haverá uma reavaliação importante sobre quem lucra e quem paga os custos", disse.
A Flórida tem muito a perder, além do turismo e da pesca. A habitação tornou-se cada vez mais concentrada ao longo dos 13.500 km de litoral do Estado. Com o valor das propriedades já reduzido em um terço em muitas áreas e o desemprego beirando os 12%, a Flórida poderá ter sua economia prejudicada durante uma década por conta do vazamento.
Também está vulnerável o terceiro maior sistema de recifes do mundo. E os residentes se preocupam com a perda não apenas de seu ganha-pão, mas de seu modo de vida.
Como Paul Peterson, 57, que mora em um barco e luta contra um linfoma há anos. "É uma luta difícil", ele disse. "E esse lugar é tão bonito que seria um pecado [sua destruição]."
Os capitães de barcos de aluguel e instrutores de mergulho também estão em dificuldades.
Nos anos anteriores, nesta época eles geralmente já tinham suas agendas lotadas para a maior parte do verão local. Mas Skip Bradeen, 67, disse que a situação nunca esteve tão ruim em 40 anos.
O que mais preocupa a maioria dos pescadores e cientistas ambientais são as consequências de longo prazo se o óleo for carregado ao redor da costa da Flórida.
"São bilhões de filhotes de peixes, lagostas e caranguejos", disse Douglas Rader, cientista oceânico do Fundo de Defesa Ambiental, um grupo civil. "Uma ampla gama de frutos do mar é transferida pela supervia da corrente cíclica e depende dos habitats afetados pelo petróleo."
Gary Sands, pescador de terceira geração, fez uma pausa de suas armadilhas para lagostas para explicar o que isso significa.
Ele apontou para dois jovens, filhos de um pescador seu amigo. "Eu tenho 68 anos, mas esses meninos têm 30", ele disse. "Se a coisa não se recuperar para eles, o que vai acontecer?"
Albert Pflueger, 50, outro pescador, pensou bem na pergunta. Se não houver água, "não haverá vida nos recifes", afirmou.

Colaboraram DuWayne Escobedo, em Pensacola, e Gary Fineout, em Tallahassee


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